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Distúrbios no trabalho estimulam tentativas de suicídio

Ministério da Saúde alerta: sofrimento psíquico ligado a fatores laborais tem levado mais trabalhadores a atentarem contra a própria vida

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Em 2016, aos 40 anos de vida, com dois filhos pré-adolescentes e um bom salário no Congresso Nacional, a assessora parlamentar Laura* viu sua saúde entrar em colapso. A rotina de mais de 12 horas diárias de trabalho, muitas vezes impostas por ela mesma – assumidamente workaholic –, cobrou seu preço e lhe infligiu dores crônicas na coluna. A brasiliense decidiu trocar o tempo no gabinete e as andanças nos corredores do Legislativo federal pelo trabalho remoto e consultorias.

“Mas não deu certo. Não consegui me organizar nem me cuidar como deveria. Com a redução salarial, não tinha dinheiro para tratar da saúde. E a cabeça entrou em parafuso. Surtei, oito meses após a mudança”, conta ela. “Um dia, quis dar um basta a tanto sofrimento físico e emocional. Nem acho que queria morrer, mas que a dor passasse. Estava esgotada e desisti”, revela.

A tentativa de autoextermínio – nome para o ato, no jargão médico – ocorreu em setembro de 2016, justamente no mês de mobilização mundial de combate e prevenção ao suicídio. Laura foi socorrida por parentes e teve o risco de morte afastado após uma lavagem estomacal e 24 horas de observação em uma unidade de terapia intensiva. Mas ela não está curada: vive com medo de uma nova crise.

A situação da brasiliense não é caso isolado. Uma silenciosa e terrível tendência tem deixado em alerta as autoridades médicas. Levantamento da Coordenação de Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde, revela que transtornos mentais e sofrimentos psíquicos ligados a fatores laborais têm levado centenas de trabalhadores a atentar contra a própria vida.

De acordo com os dados da pasta federal, as notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho passaram de 122, em 2007, para 8.621 em 2017 – 60% das pessoas acometidas são mulheres, e 40%, homens.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios mentais, sendo a depressão o mais comum deles, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias. Já o estudo do Ministério da Saúde aponta que muitos dos transtornos são provocados por variáveis encontradas no cotidiano profissional.

É o caso de: acidentes que impossibilitam ao empregado exercer plenamente suas funções; jornadas excessivas; falta de estrutura, de reconhecimento e de incentivo; mudança de posição (ascensão ou queda) na hierarquia da empresa; fracasso; pressão superior; falta de tempo para executar tarefas e de oportunidade para manifestar satisfações e insatisfações.

Quando avaliada a ocupação dessas vítimas de distúrbios psíquicos, o Ministério da Saúde verificou que: 472 delas (5,5%) eram motoristas de ônibus; 249 trabalhavam como gerentes de agências bancárias; e, em terceiro lugar, 247 professores de jovens e adultos no ensino fundamental.

Confira os dados da pesquisa:


Fonte de prazer e de sofrimento
A coordenadora nacional de Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde, Karla Baêta, ressalta a necessidade de se ter qualidade de vida no ambiente de trabalho.

O trabalho ocupa um papel na vida das pessoas que vai muito além da relação salarial. O indivíduo se insere no meio social, tem a oportunidade de construir relações sociais. Trabalhar pode ser fonte de realizações e prazer, mas, dependendo das condições, também pode causar sofrimento e até a morte

Karla Baêta, coordenadora nacional de Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde

Ela admite que os dados sobre adoecimento mental ou suicídio relacionado ao trabalho, no Brasil, ainda são cinzentos, imprecisos. Existe especialmente a dificuldade em se estabelecer nexo causal, ou seja, definir que a causa do suicídio ou da doença mental é o trabalho e não outro fator.

“Entretanto, sabe-se que há aumento de casos de suicídio entre os executivos de grandes corporações e no setor bancário. Provavelmente, esse aumento se deu pela reestruturação que o setor passou: privatizações em ambientes altamente competitivos, alta exigência de performances, intensificação de vendas e busca de resultados”, ressalta Karla Baêta.

Para a coordenadora nacional de Saúde do Trabalhador, as empresas e instituições corporativas podem e devem motivar seus empregados e contribuir com campanhas de prevenção ao suicídio. “É importante que se olhe para o indivíduo, para o trabalhador. Mas também é preciso incluir as relações de poder e os modos de gestão do trabalho nesse olhar”, destaca Karla Baêta. “Geralmente são esses processos que levam ao adoecimento mental do trabalhador”, aponta.

Um ambiente de trabalho negativo pode ser o gatilho para se desenvolver um quadro psiquiátrico, e isso aumenta a possibilidade de suicídio

Carlos Guilherme Figueiredo, diretor da Associação Psiquiátrica de Brasília

O especialista sugere formas de as corporações melhorarem seu ambiente de trabalho, salvaguardando a vida de seus colaboradores. “A empresa pode investir em hábitos saudáveis de vida e estimular a relação entre seus empregados, além de oferecer assistência e atendimento médicos”, lista o diretor da Associação Psiquiátrica de Brasília. “Mas o mais importante é estimular a procura por ajuda profissional quando se tem problemas psiquiátricos”, ressalta Carlos Guilherme Figueiredo.

Tratamento é fundamental
Para o coordenador nacional da campanha Setembro Amarelo – mobilização global de prevenção ao suicídio realizada ao longo deste mês –, Antônio Geraldo da Silva, é preciso ajudar a população com prevenção, informando a importância do tratamento de todas as doenças mentais, principalmente as que possuem aumento de risco de atentado contra a própria vida.

Transtornos mentais, em sua maioria, não são diagnosticados, são tratados de forma inadequada ou não são tratados de maneira alguma

Antônio Geraldo da Silva, coordenador nacional do Setembro Amarelo

O caso de Laura reforça a manifestação do especialista: ela não seguiu com o acompanhamento psicológico. “Não consegui me adaptar à terapia e só venci a depressão me jogando, mais uma vez, com tudo no trabalho fora de casa. Evito as situações-limites, os excessos, fiquei mais reservada, com medo de passar por tudo aquilo novamente”, conta. “No trabalho, ninguém sabe que passei por isso, sinto muita vergonha e tento simplesmente não pensar mais nesse assunto”, diz.

Desde seu episódio, ao menos três conhecidos – profissionais tão bem-sucedidos quanto a brasiliense – sucumbiram à pressão e tiraram a própria vida. “O suicídio é uma emergência médica e, por isso, é fundamental o papel de todos nós nessa campanha Setembro Amarelo, com ações efetivas de orientação sobre o risco, de informação sobre como preveni-lo e também no atendimento emergencial”, reforça Antônio Geraldo.

Mobilização e prevenção
Há três anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) uniram forças para combater um inimigo comum: o suicídio. Com esse objetivo, instituíram o mês de setembro como o período para se enfatizar a necessidade de prevenção ao ato de tirar a própria vida.

Surgia, ali, o Setembro Amarelo, em sintonia com a Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (IASP, na sigla em inglês), que comemora o 10 de setembro como dia mundial de mobilização e prevenção.

Saiba como combater o suicídio e onde procurar ajuda:

* Nome fictício, a pedido da entrevistada

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