Conselho Federal de Medicina é contra o termo “maconha medicinal”
Instituição divulgou um conjunto de dez ações sobre nomenclaturas para tratar a Cannabis e seus efeitos colaterais
atualizado
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O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) divulgaram, na última quinta-feira (10/10/2019), um conjunto de dez orientações acerca de termos e nomenclaturas para tratar a maconha, além de destacar possíveis efeitos colaterais negativos do uso da planta. O documento começa desqualificando o uso da expressão “maconha medicinal”, afirmando que a Cannabis sativa e a Cannabis indica não seriam consideradas medicamentos e que, portanto, “não existe” essa classificação.
O decálogo, que cita 42 estudos científicos como referências, destaca que a maconha tem mais de 400 substâncias e que uma delas, o THC, pode causar dependência e apenas uma, o CBD, é investigada com o objetivo de verificar se existe ou não um potencial terapêutico.
“Como os poucos resultados obtidos estão longe de ser generalizados, e mesmo que o uso controlado possa ser feito, deve-se levar em conta os potenciais malefícios já comprovados”, sustentam a instituições.
“Para qualquer substância com potencial de causar dependência em uso terapêutico, até hoje, a regulamentação é especial, pois os benefícios iniciais podem ser substituídos por danos decorrentes do uso crônico, visto que ainda não existem estudos a longo prazo que comprovem a segurança”, prossegue o documento.
Além da dependência, CFM e ABP pontuam que a maconha pode levar à diminuição da atenção, da memória, das funções executivas, da percepção da realidade, da tomada de decisões e ao “declínio de até 8 pontos no quociente intelectual (QI)”.
Eles lembram estudos que apontam o aumento do risco de suicídio entre adolescentes e adultos que fazem uso da substância e a possibilidade de indução à esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, quadros de ansiedade e ataques de pânico.
Grávidas
Em mulheres grávidas, as orientações ressaltam que a maconha pode resultar em alterações no cérebro do feto e, por fim, argumentam que o consumo da erva pode levar a “câncer de pulmão, bronquite, enfisema e infecções respiratórias, dentre outras alterações nos diferentes sistemas orgânicos” que “são mais graves que aquelas decorrentes do uso de cigarro comum”.
O decálogo também diz que as consequências do uso da “maconha fumada” atingem “toda a família, provocam alterações de humor e mudanças de comportamento, afetam as pessoas próximas e provocam acidentes no trânsito”.
Atualmente, o CFM trata da maconha na Resolução nº 2.113/14, que dispõe sobre o uso “compassivo” do canabidiol no tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos tratamentos convencionais. Na prática, isso significa que é necessária uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a indústria forneça um medicamento novo que ainda não foi registrado oficialmente.
Esta resolução do CFM também proíbe que a Cannabis, ou qualquer derivado além do canabidiol, seja prescrita para uso medicinal.
Histórico
Em junho, o CFM e a ABP emitiram uma nota conjunta pedindo a revogação de consulta pública da Anvisa sobre a regulamentação do plantio da Cannabis e alertaram para o “alto risco” da proposta. No documento, eles sustentavam que a decisão da agência de aprovar preliminarmente proposta nesse sentido “desconsiderava evidências científicas” e “não garantia efetividade e segurança para os pacientes”.
“Ao admitir a possibilidade de liberação de cultivo e de processamento dessa droga no país, a Anvisa assume postura equivocada, ignorando os riscos à saúde pública que decorrem dessa medida”, escreveram as entidades.
Antes, em abril, o conselho promoveu o “Fórum sobre a Maconha – causas, consequências e prevenção”, em Brasília, com o objetivo de discutir a planta e a possibilidade de revisão da Resolução nº 2.113/14. Na ocasião, o 3º vice-presidente do CFM e conselheiro Emmanuel Fortes, relator da normativa, disse que novos estudos que isolaram o canabidiol e o THC poderiam ser utilizados para atualizá-la.
A maconha também foi assunto do IX Congresso Brasileiro de Direito Médico, em setembro – de novo, com especialistas alertando para a diferença entre o uso de maconha, de forma geral, e do uso do canabidiol controlado.
Atualmente, a Câmara dos Deputados discute em uma Comissão Especial um projeto de lei de 2015 que pode viabilizar a produção e a venda de medicamentos à base de princípios ativos da maconha, mas o governo federal articula para impedir a medida.
Avaliações
Ao Metrópoles, a coordenadora do Movimento Brasil sem Drogas, grupo contrário à legalização de “qualquer nova droga” no país, Andreia Salles, disse ver com “bons olhos” o posicionamento do CFM e da ABP em destacar a diferença entre o canabidiol e a maconha. “Isso é algo que a gente já sabia. Mas uma coisa é um grupo dizendo isso, outra coisa são eles colocando os pingos nos is”, ressalta.
Ela afirma, ainda, que o grupo não é contrário ao cannabidiol e defende, inclusive, que ele seja disponibilizado gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). “É um remédio de verdade e desde que se garanta o uso seguro, a gente acredita que as crianças precisam. Agora, o termo ‘maconha medicinal’ é errado”, destacou.
A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), a única entidade do Brasil que tem autorização da Justiça para produzir produtos à base de Cannabis, defende que as pesquisas avancem no sentido de explorar o uso também de outros ativos. Jamiles Lopes, que trabalha no acolhimento da Abrace, ressalta que, hoje, o óleo terapêutico que eles produzem tem compostos como o THC e o CDB e que, embora o cannabidiol tenha sido a primeira substância descoberta, “não é só ela que tem efeitos terapêuticos”.
Evidências
“Temos resultados com bastante evidências, na sua grande maioria positivos. Claro que como qualquer outra medicação, existe sua taxa de não funcionar ao certo, mas a gente trabalha com o composto integral da Cannabis e toda ela tem efeitos. A gente luta para que a Cannabis seja vista, sim, como primeira opção de medicação e suplementação”, opina.
Ela também contestou a contrariedade quanto ao termo “maconha medicinal”: “É só o termo brasileiro para se referir à planta, então, pode ser, sim, medicinal. Essa restrição na nomenclatura dificulta muito pela falta de informação, pelo preconceito”, encerra.