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Brasileiro vai à OEA denunciar morte da mãe em hospital público

Analista de sistemas paulista enfrenta saga judicial para provar que a mãe – e uma tia – morreram vítimas do descaso do poder público

atualizado

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Divulgação/Governo de São Paulo
VilaAlpina
1 de 1 VilaAlpina - Foto: Divulgação/Governo de São Paulo

Persistência tem sido o lema de um analista de sistemas de São Paulo desde que sua mãe, uma idosa de 79 anos que sofria de demência e doença de Alzheimer, morreu num leito de hospital público na capital paulista, em maio de 2017. A saga judicial do cidadão contra o Estado para denunciar o que ele considera maus-tratos começou antes mesmo do falecimento e já passou por instâncias municipais, estaduais e federais, chegando até a Organização dos Estados Americanos (OEA), mas ainda sem nenhuma resposta definitiva e com muitos arquivamentos e portas fechadas.

“Cada dificuldade eu encaro como um incentivo. Eu enfrento isso em memória da minha mãe, uma idosa que estava em coma e sofreu agressões das quais não podia se defender. Foi tortura, é imperdoável”, afirma Clemente, que pede para não ter o sobrenome divulgado porque conta ter feito muitos desafetos nesse processo. “Me sinto enredado em uma teia, com o Estado usando todo o seu poder para evitar qualquer responsabilização sobre a morte da minha mãe.”

Clemente se dedicava a cuidar da mãe doente havia oito anos quando uma queda no banheiro, em casa, agravou a situação. “Ela foi levada para o Hospital Estadual Vila Alpina [no subúrbio de São Paulo] e sofreu o tratamento terrível que o Estado brasileiro dá aos idosos doentes. Ela também estava com infecção urinária e o médico receitou Cefalexina [um antibiótico], mas ela era alérgica e eu avisei, eu tinha um dossiê sobre os problemas dela. Só que o médico ignorou meu aviso e aplicou mesmo assim. No mesmo dia ela passou muito mal, teve um AVC (acidente vascular cerebral), ficou em estado vegetativo. Se isso não são maus-tratos, eu não sei o que dizer”, relata Clemente, emocionado pelas lembranças.

Dona Benedita ainda foi transferida para outro hospital público paulista, o Sapoemba, que decidiu dar alta para a idosa, revoltando o filho. “Eu fui ao Ministério Público e fui instruído a não aceitar a alta, não tirá-la de lá. Ela não tinha condições”, relata. Era o início de uma batalha judicial que já passou por mais de 10 órgãos públicos. “Eu dei parte na polícia, entrei na Justiça estadual em dezembro de 2016 e consegui o direito de a minha mãe não ter alta. Mas o Estado não gostou da minha atitude e ela passou a sofrer todo tipo de descaso no hospital. Era uma luta diária fazer com que minha mãe tivesse os cuidados mais básicos, como limpeza”, conta o filho.

A idosa acabou morrendo alguns meses depois, em maio de 2017, no hospital. E Clemente começou a pressionar o poder público para que a equipe médica que cuidou da mãe fosse investigada. Ele procurou a Ouvidoria do governo e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia de São Paulo.

Sem decisões favoráveis na Justiça estadual, no governo ou no poder legislativo estadual, recorreu até contra os promotores do Ministério Público paulista, em reclamações ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Também entrou com pedido para federalizar o caso e, em dezembro de 2018, teve um pedido atendido pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

A última movimentação no procedimento na PGR ocorreu no dia 8 de maio deste ano, quando a então procuradora-geral, Raquel Dodge, decidiu transformar a reclamação de Clemente em um dispositivo chamado Procedimento Preparatório de Incidente de Deslocamento de Competência.

Para Clemente, porém, a investigação está engavetada. “Está parada. É o que eu vivo desde que comecei essa saga. No CNMP foram quatro reclamações, todas arquivadas”, conta ele, que ao se aprofundar nos estudos sobre direitos humanos, chegou à conclusão de que uma tia, Claudete de Andrade, também havia sido vítima de maus-tratos quando morreu aos 73 anos, em dezembro de 2010, internada no Hospital Vila Alpina (foto em destaque).

“Então eu e meu tio, viúvo dela, também começamos a lutar para provar que ela foi vítima. A minha luta não é só pela minha mãe e pela minha tia, é pelos idosos do Brasil, que são cotidianamente torturados nesses açougues que o Estado chama de hospitais”, avalia o analista de sistemas. “No caso da minha tia, tem sido mais difícil ainda, porque mesmo o MP alega que já faz tempo, que prescreveu. Mas são crimes contra a humanidade, isso não prescreve”, completa.

Foi sob o argumento de que o fato vivido por suas familiares não foi um caso particular, somado a exemplos de um política de descaso, que Clemente reclamou para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, um órgão da OEA. “Eles me responderam agora, pedindo mais informações. Estão investigando, aceitaram meus argumentos de que precisa ser investigado. Espero que isso pressione as autoridades brasileiras também. Mas, se isso não acontecer, não vai me fazer desistir. Minha mãe nunca me perdoaria. E por ela eu vou até a ONU”, promete.

Outro lado
Questionada pelo Metrópoles, a PGR negou que o procedimento iniciado por Clemente esteja engavetado. Segundo o órgão, os fatos estão sendo apurados. O CNMP respondeu apenas confirmando que as quatro reclamações iniciadas pelo analista de sistemas contra promotores de São Paulo foram arquivados, ou seja, os argumentos pedindo punição não foram aceitos.

O Governo de São Paulo, responsável pelos hospitais, não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. A Secretaria de Saúde do Estado prometeu um posicionamento até a noite desta sexta-feira (04/10/2019). O espaço está aberto.

A OEA não respondeu aos questionamentos da reportagem.

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