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Pouco mais de três anos depois do primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, o país atinge mais uma triste marca: 700 mil vidas perdidas para a doença. Dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) apontam que o número foi ultrapassado nesta terça-feira (28/3). São 700.329 mortes provocadas pelo coronavírus. Apenas os Estados Unidos têm mais registros em todo o mundo, superando 1,1 milhão de óbitos.
A emergência sanitária foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. No Brasil, o enfrentamento ao vírus esbarrou em posturas negacionistas do então governo federal, na desigualdade social e em uma rede de saúde com estruturas precarizadas, apesar de altamente capilarizada.
Em meio a esse quadro todo, há trajetórias de vida interrompidas pela doença. Milhares de histórias encerradas no meio do caminho. Foram bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos que morreram em decorrência do mal. O quadro foi tão dramático que é possível dizer que não há pessoa no Brasil que não perdeu um ente querido ou que conheça alguém que morreu em função da Covid-19. Abaixo, contaremos algumas dessas histórias, relato ainda de quem atuou na linha de frente, e também tudo o que levou a pandemia a se agravar no país.
Juracy e Luna
Quando a pequena Luna nasceu, em maio de 2020, o país ainda estava aprendendo a lidar com as regras da pandemia. Cidades enfrentavam lockdown, a população se acostumava a usar máscaras e evitava os abraços e apertos de mão. Foi nesse contexto que a professora universitária Fernanda Natasha, de 35 anos, deu à luz sua primeira filha.
Hoje, prestes a completar três anos, a rotina é diferente. Com a vacinação acelerada, a maioria das medidas de prevenção já deixaram de ser obrigatórias. A menina agora está aprendendo sobre as relações de parentesco: avô, avó, primo, tia. Um deles, ela reconhece apenas na foto. O avô Juracy Cruz Júnior, 55, faleceu vítima da Covid-19 em novembro de 2020, seis meses depois do nascimento da neta. Empolgado com a ideia de ser avô pela primeira vez, ele não chegou a conhecer a menina. Por conta da doença, mesmo que a criança já tivesse nascido, ele nunca pôde vê-la.
“Acho que ela ainda não entende o que é a morte. O que ela percebe é que, às vezes, eu vou buscá-la na creche e tem os coleguinhas que é o vovô quem vai buscar. E ela olha com estranhamento: ‘por que ele tem e eu não tenho?'”, relata a mãe de Luna, Fernanda Natasha.
Morador de Santos (SP) e advogado, Juracy foi contaminado pela doença em outubro daquele ano. Na época, as vacinas ainda estavam em fase de testes e a população começava a flexibilizar as medidas de proteção. Ele tinha obesidade, bronquite, asma, pressão alta e outros fatores de comorbidade.
Juracy foi internado e, poucos dias depois, deu entrada na unidade de terapia intensiva (UTI) pela primeira vez. Fernanda saiu de Brasília com o marido e a filha recém-nascida rumo a Santos para ajudar a cuidar do pai.
Após apresentar uma melhora, o advogado foi liberado para voltar para o quarto. No entanto, depois de cinco dias internado, a situação voltou a se agravar.
“Ele piorou no momento em que foi para o quarto. A gente não sabe o que aconteceu, se realmente deveria ter saído da UTI, acredito que não. Depois desses cinco dias, foi intubado e ficou mais quatro ou cinco dias”, lembra a professora.
O advogado morreu aos 55 anos e deixou duas filhas, a esposa, dois irmãos e a neta. “A gente tinha uma relação muito linda. Meu pai sempre foi uma pessoa muito amorosa, generosa, acessível, incentivadora.”
“Foi muito triste porque ele estava muito empolgado com a ideia de ser avô”, narra. “Minha filha foi a primeira neta, então tinha um acolhimento muito bonito.”
Três anos depois, Fernanda avalia que os efeitos da pandemia foram além da questão de saúde. Para ela, o negacionismo e a crença de que a doença afetava apenas pessoas em grupos de risco contribuíram para o elevado número de mortes. A visão era corroborada por autoridades, inclusive o próprio presidente da República à época, Jair Bolsonaro (PL).
“Me dava uma revolta muito grande. A gente teve um processo cultural, que repercutiu em movimentos políticos de negacionismo”, pontua. “Aquela crença violenta de que só os mais fracos iriam morrer. Os idosos, ou os que tinham alguma doença, então não seria uma coisa tão grave. Isso me machucou muito.”
“De lado foi um grande desespero, uma angústia, um luto que não era apenas pelo meu pai, que já era avassalador. Era um luto coletivo, um processo de perda de esperança com relação aos valores, à solidariedade das outras pessoas”, diz Fernanda.
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil), da qual Fernanda faz parte, elaborou um relatório com sugestões de ações de reparação e responsabilização, direcionado ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre as medidas, estão a criação de um Museu Nacional da Pandemia de Covid-19, o estabelecimento de políticas públicas de saúde mental para pessoas de luto para a Covid, e a criação de cotas em universidades e cursos técnicos para órfãos, sobreviventes e viúvas de vítimas.
“A gente conviveu com uma tragédia sem precedentes e isso merece uma atenção também sem precedentes, para lidar com todas as dimensões.”
“Trazer esse tema à pauta é permitir que a gente tenha um outro olhar para as possibilidades de desenvolvimento para o nosso país. Outras possibilidades de reconhecimento de que as vidas que foram perdidas importaram, a forma como a gente lidou com a pandemia importa, que é possível construir outras dinâmicas de convivência”, ressalta.
“Ela poderia estar viva”
O escritor Walmor Fernando, 45, também convive com o luto pela morte da mãe, a orientadora educacional Marluce Costa Gomes Parente, 67, vítima da Covid. A idosa foi uma das milhares que perderam a vida na segunda onda da doença no país, no início de 2021.
O filho acredita que a vacinação teria sido a salvação da mãe. Marluce foi diagnosticada com a doença em 6 março. No dia 3 de abril, o imunizante começou a ser aplicado para a faixa etária dela.
“Faltava tão pouco, né? Nós vimos muitos casos de pessoas que se salvaram com a primeira dose. Conheço pessoas que tomaram a primeira dose e logo depois pegaram [a doença] e foi suficiente”, diz o escritor.
Walmor lembra que sonhava com o dia em que a mãe iria ser imunizada. “Eu sonhava com isso, até planejava tirar folga no meu trabalho para acompanhá-la. Tinha uma expectativa muito grande para esse momento. E infelizmente não deu tempo.”
A internação de Marluce se deu em meio à crise de saúde pública no Distrito Federal. A demanda por atendimento era tão grande que a família teve que entrar na Justiça para conseguir acesso a um leito de UTI.
“Outra parte muito dolorosa desse processo é que nós não tínhamos contato com ela. Só íamos lá para levar material de higiene e ficávamos aguardando a ligação do médico para falar sobre a situação dela. Aquilo era um angustiante”, narra.
A educadora completou 67 anos no dia 17 de março, enquanto estava internada na UTI. No mesmo período, o quadro começou a piorar até que em 6 de abril, a família recebeu a notícia do falecimento.
“Ela poderia estar viva, né? Se tivesse a vacina… O que eu sinto mais falta dela é o apoio, a motivação, a sede de viver que ela tinha”, lamenta Walmor.
“São setecentas mil vidas, mas são também as famílias que precisam de ajuda e da responsabilização. Os erros, os crimes que foram cometidos precisam ser julgados, as pessoas precisam responder”, cobra ele.
As marcas da Covid
Moradora de Brasília, Gilka da Silveira, 58 anos, se lembra muito pouco do período em que ficou internada. A artesã e culinarista foi infectada pelo vírus da Covid-19 apenas uma vez, em junho de 2020, mas se recupera até hoje.
“Foi e continua sendo muito difícil me adaptar a minha nova condição”, desabafa. Após receber algumas pessoas em sua casa, ela se lembra apenas de sentir fortes dores de cabeça e, em seguida, muita falta de ar. O teste confirmou o diagnóstico positivo para ela e para o filho mais velho.
Gilka chegou a voltar para casa, mas com a piora do quadro foi internada. Passou 50 dias na UTI, com apenas 25% da capacidade pulmonar. Depois, cerca de 100 dias ainda internada até se recuperar totalmente.
“Saí de lá sem movimento, só mexia os olhos”, recorda.
“Quando saí da UTI eu estava com todos os membros, toda a parte de nervos parada, fiquei no hospital pra voltar a ter os movimentos de deglutição, respirar direito, fiz fisioterapia para recobrar os movimentos.”
Gilka teve necroses em diferentes partes do corpo: nos dois calcanhares e nas duas panturrilhas, além de ter precisado amputar dois dedos do pé. Ficou com dificuldades para falar e respirar. Passou a apresentar problemas de memória e de concentração.
A artesã acredita que alguns tratamentos, que ela continua a fazer, continuarão para o resto da vida. Hoje, ela usa assento em gel, uma órtese na perna direita para se equilibrar e precisa do auxílio de muletas para se locomover. Continua a ter sessões de fonoaudiologia, fisioterapia neurológica e respiratória, além de praticar hidroterapia e fazer acompanhamento psicológico.
“Gostaria que fosse dado mais apoio às pessoas sequeladas da Covid-19. O que me faz continuar é lembrar que sobrevivi”, diz Gilka. “Estou aprendendo a ficar feliz com o que eu posso fazer agora, e não com que não posso mais fazer.”
Na linha de frente
Em março de 2020, Ricardo Vasserman estava prestes a iniciar um novo momento na carreira: a residência médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). O que ele enfrentou, porém, nos dois anos em que pretendia se especializar em clínica médica, o marcou para a vida inteira.
O médico, recém-formado, estava na linha de frente e atuou em todos os departamentos clínicos: pronto-socorro, enfermaria e UTI, até março de 2022. Ele recorda como tudo mudou no Hospital das Clínicas com a chegada da pandemia: “Ele se tornou um grande Covidário. Todos os departamentos foram praticamente parados, desligados, os de especialidades se tornaram de Covid, se tornaram UTIs”, conta. “Todos os médicos, independentemente da sua especialidade, passaram a atuar no front.”
“Todos os estágios foram cancelados. Eu tive que, rapidamente, aprender uma série de coisas que eu não sabia muito bem ainda, principalmente relacionadas a pacientes graves. Foi um desafio técnico muito grande, uma pressão muito grande”, relembra Ricardo.
Para o profissional de saúde, o momento mais difícil foi o pico da variante Gama, no primeiro semestre de 2021, quando a população brasileira ainda não estava amplamente vacinada. “Tivemos um aumento de casos muito rápido, sem que a gente estivesse preparado para isso. Foram dias ali em março, abril de 2021, em que tivemos muita gente morrendo na nossas mãos, poucos profissionais que de fato sabiam como lidar com pacientes graves em UTI. Foram dias muito complicados”, afirma.
Ricardo não consegue se esquecer de momentos críticos, como quando precisou entubar três pacientes em sequência, um ao lado do outro, ou correr com pacientes em ambulâncias à beira da morte.
“Passei por situações em que acabou o oxigênio da parede do hospital e a gente teve que sair correndo pra pegar os cilindros de oxigênio em outro lugar, pra pessoa não morrer com falta de ar”, recorda.
O médico ressalta como o início da vacinação contra a doença foi um divisor de águas para quem estava na linha de frente. “A gente, de maneira quase que imediata, começou a perceber uma diminuição no número dos casos graves, uma diminuição muito expressiva da doença nos prontos-socorros, nos hospitais, teve uma relação claríssima com a melhora da nossa situação”.
Falta de atenção à ciência
Mas quais foram os motivos que levaram à situação que se instalou no país? Para o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), uma das principais causas da grande quantidade de mortes pela doença “foi a falta de coordenação baseada na ciência. [O governo] negou medidas não-farmacológicas, negou a vacina, todas essas medidas só são eficazes para reduzir óbitos se forem entendidas como medidas coletivas, quanto maior for a adesão menor vão ser os óbitos”, ressalta.
“A gente teria uma capacidade de resposta importante pela capilaridade do [Sistema Único de Saúde] SUS e não conseguimos ter porque faltou uma coordenação que não utilizasse a pandemia como estratégia ideológica política”, aponta Croda. O pesquisador destaca que a pirâmide etária do Brasil, com grande número de pessoas mais idosas, também pode ter colaborado para o maior número de hospitalizações e óbitos, uma vez que esta população estava mais vulnerável ao vírus.
O “game changer”, de acordo com o infectologista, foi a ampla vacinação. “Já tivemos três ou quatro mil óbitos por dia, hoje ficamos por volta de 50 ou 100, sem medidas restritivas, máscara só nos aeroportos, realização do Carnaval”, relembra. “O que modificou o risco foi a vacina, foi o que permitiu retomar as atividades habituais.”
“Nos primeiros dois anos de pandemia tivemos variantes novas, agora temos subvariantes da Ômicron. Estamos há mais de um ano sem uma nova variante, o que demonstra estabilidade da imunidade populacional. Poucas pessoas estão suscetíveis ao desenvolvimento de doenças graves”, finaliza Croda.
O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo. O paciente, um homem de 61 anos, acabava de voltar de uma viagem à região italiana da Lombardia, onde o vírus já circulava.
Já a primeira morte ocorreu em 12 de março, menos de três semanas depois, também em São Paulo. O paciente tinha 62 anos, era hipertenso e diabético. À época, o país tinha 234 casos conhecidos da doença.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou em 11 de março que a Covid-19 passaria a ser considerada uma pandemia. O vírus já estava presente em 114 países, com mais de 118 mil casos e 4,2 mil mortos.
Durante o enfrentamento da Covid-19, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) divergiu diversas vezes das orientações da comunidade científica. O então chefe do Executivo menosprezou, por exemplo, o isolamento social para frear o avanço do vírus, promoveu tratamentos comprovadamente ineficazes e até hoje afirma não ter se vacinado contra a doença.
Muitas frases ditas pelo ex-presidente repercutiram negativamente, enquanto o país enterrava cada vez mais pessoas e a vacina ainda não estava disponível. Bolsonaro chamou a doença de “gripezinha”, se negou a responder perguntas sobre os mortos no país falando que “não era coveiro” e, sobre o mesmo assunto, disparou: “E daí, lamento. Quer que eu faça o que? Sou Messias, mas não faço milagre”.
O ex-presidente, além de duvidar publicamente da eficácia dos imunizantes, também incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da doença. O chamado “Kit Covid”, com remédios como cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D, foi amplamente distribuído. O Exército Brasileiro chegou a utilizar sua estrutura para produzir cloroquina e hidroxicloroquina.
Outro reflexo do embate político no enfrentamento à pandemia foi a constante troca de ministros da Saúde no período. O médico Luiz Henrique Mandetta foi exonerado em abril de 2020 após divergências públicas entre ele e o ex-presidente. Seu sucessor, o oncologista Nelson Teich, permaneceu no cargo por apenas 28 dias e também deixou o primeiro escalão do governo por se recusar a endossar os medicamentos sem eficácia comprovada defendidos por Bolsonaro.
O terceiro a ocupar a cadeira foi o general Eduardo Pazuello, que permaneceu por dez meses no cargo. O militar chancelou os posicionamentos do ex-presidente e foi fortemente criticado, entre outros motivos, por postergar a compra de vacinas e não instalar uma política de testagem nacional.
O quarto e último ministro da Saúde do governo Bolsonaro foi o cardiologista Marcelo Queiroga, escolhido para ter uma posição mais “técnica”. Foi sob sua gestão que a campanha de vacinação se regularizou e atingiu maior eficiência.
O ministro, porém, não defendia posições técnicas que contrariassem a opinião do ex-presidente, como quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou as vacinas para crianças: enquanto Bolsonaro atacava os servidores da agência e afirmava que não vacinaria sua filha Laura, o ministro postergou o anúncio apesar das negociações com a Pfizer e promoveu agendas como consultas públicas e audiências sobre o tema, além de receber médicos antivacina.
O ápice da crise no sistema de saúde provocada pela Covid-19, e impulsionada pela disputa ideológica no governo federal, foi o episódio que ficou marcado como a crise do oxigênio no Amazonas, em janeiro de 2021. Com hospitais lotados, mais de 60 pessoas morreram asfixiadas por falta de cilindros de oxigênio nas unidades de saúde da capital, Manaus, e outros municípios.
A escassez durou dois dias, mas foi suficiente para deixar um rastro de destruição em dezenas de famílias, que correram para comprar o oxigênio por conta própria. Estados, empresas e celebridades se mobilizaram para enviar insumos ao estado. Além disso, pacientes foram transferidos para outras unidades da federação para receber atendimento.
Na época, documentos da Secretaria de Saúde do Amazonas mostraram que o Ministério da Saúde tinha conhecimento sobre o risco de desabastecimento na capital, mas não tomou providências.
Dois anos depois, nenhum dos gestores envolvidos na crise foram responsabilizados. Em maio do ano passado, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi inocentado em processo que apurava a omissão da pasta no caso. O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo, a ex-secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, e o seu sucessor no órgão, Helio Angotti, também foram absolvidos.
Em 24 de abril de 2021, o Senado Federal instalou uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia.
Durante o período em que esteve ativo, o colegiado apurou contratos com indícios de fraude envolvendo o Ministério da Saúde e empresas do setor privado.
Um caso emblemático foi a tentativa do governo federal de adquirir doses da vacina indiana da Bharat Biotech, a Covaxin, em um contrato recheado de suspeitas de irregularidades e de superfaturamento no preço. O deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão do parlamentar, o servidor Luis Ricardo Miranda, trouxeram a denúncia à tona. O então presidente Jair Bolsonaro chegou a ser investigado por prevaricação, mas o inquérito acabou arquivado.
Outra frente de investigação da CPI foi a ação de agentes públicos apontados como difusores de tratamentos e medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19.
O relatório final foi apresentado em outubro de 2021 e acusou Bolsonaro de ter cometido nove crimes: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; e emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
A maioria das acusações, no entanto, não tiveram resultado. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento de oito dos dez inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-chefe do Executivo com base no documento. O relatório também sugeriu o indiciamento de 66 pessoas, incluindo deputados, empresários e autoridades.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 16 de dezembro de 2021 a primeira vacina contra a Covid-19 para crianças. O imunizante pediátrico da Pfizer passou a ser indicado para o público de 5 a 11 anos.
No mesmo dia, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou sua tradicional live de quinta-feira para criticar a decisão e começar uma longa ofensiva contra os servidores da Anvisa. “Eu pedi, extraoficialmente, o nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de 5 anos. Nós queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento de quem são essas pessoas e, obviamente, formem o seu juízo. […] Você tem o direito de saber o nome das pessoas que aprovaram a vacinação a partir de 5 anos para o seu filho”, afirmou.
A Anvisa reagiu e afirmou “repudiar e repelir com veemência qualquer ameaça explícita ou velada que venha constranger, intimidar ou comprometer o livre exercício das atividades regulatórias do órgão”. Enquanto isso, apesar de já estar em tratativas com a Pfizer para adquirir as doses, o ministro Marcelo Queiroga postergou a inclusão do imunizante para crianças no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO).
O cardiologista chamou a vacinação de crianças de “tema sensível” e realizou uma audiência pública no mês seguinte para, só depois, se manifestar favorável ao tema e revelar a negociação das doses com a farmacêutica. Posteriormente, em julho de 2022, a Anvisa autorizou também a aplicação da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantã em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, em crianças de 3 a 5 anos.
Até hoje, o discurso contra a imunização de crianças para a doença faz efeito. De acordo com o Vacinômetro do Ministério da Saúde, apenas 5,4 milhões de crianças de 5 a 11 anos estão com o esquema vacinal completo, com uma dose de reforço.
Em 17 de abril de 2022, Marcelo Queiroga anunciou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), instituída em fevereiro de 2020 para lidar com a pandemia. A Espin abriu espaço para compras de insumos médicos sem licitação, restringiu a exportação de materiais necessários para o mercado nacional durante a pandemia e autorizou o uso da telemedicina, entre outros pontos.
Muitos contratos firmados pela União ou por entes federativos atrelaram a continuidade de medidas emergenciais à vigência da emergência sanitária. Foi o caso, por exemplo, das aprovações emergenciais de vacinas contra a Covid-19 feitas pela Anvisa. À época, apenas a Coronavac ainda contava com o registro emergencial e era utilizada na campanha de vacinação.
A decisão do ministro teve influência direta da pressão feita por Bolsonaro e aliados, contrários a medidas não-farmacológicas de combate à doença, como isolamento social e uso de máscaras. O ex-presidente começou a anunciar o fim da pandemia e uma mudança para endemia, o que na prática só pode ser declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).