Após a Covid, estamos mais preparados para enfrentar pandemias?
Crise sanitária global deixou, além de perdas irreparáveis, heranças de enfrentamento a emergências de saúde. Especialistas avaliam cenário
atualizado
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Dois meses após o fim do período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) relativo à Covid-19 no Brasil, o país enfrenta nova emergência de saúde: o surto de varíola dos macacos. A sociedade que lida com a crise sanitária, no entanto, não é a mesma de dois anos atrás.
A pandemia de Covid, que permanece como um problema impulsionado por novas cepas, foi um evento sem precedentes para as atuais gerações. As pessoas foram apresentadas ao uso contínuo de máscaras e à lógica do distanciamento. A necessidade da higiene acabou reforçada, bem como a necessidade da atenção à saúde mental.
Entidades de saúde, por sua vez, observaram a importância de um plano de enfrentamento unificado – para conter o avanço de doenças – e do fortalecimento do sistema de saúde pública.
Após dois anos de combate à tragédia mundial que impôs nova lógica econômica, virou a sociedade de ponta cabeça e deixou mais de 6 milhões de mortos, estamos mais preparados para combater novas pandemias?
Especialistas consultados pelo Metrópoles analisam de forma cética a possibilidade de que os mesmos erros do passado não sejam repetidos. Os avanços da ciência e da tecnologia, no entanto, são unanimidade.
“A sociedade está mais preparada. Algumas instituições de saúde estão, mas o governo não demonstra estar. Continuamos repetindo os erros que nos acompanharam desde o início da pandemia de Covid, talvez com intensidade menor”, avalia o médico sanitarista Cláudio Maierovitch, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e ex-presidente da Anvisa.
Segundo Maierovitch, estamos observando a entrada de um novo vírus de forma epidêmica no contexto internacional, mas entidades governamentais não estão respondendo com a devida agilidade. Na visão dele, “faltam ações educativas e medidas para acelerar o diagnóstico”.
“Surto” da doença
O Ministério da Saúde confirmou, na sexta-feira (29/7), a primeira morte em decorrência da monkeypox no Brasil. Desde o surgimento da doença, em 8 de junho, até o último boletim da pasta, o número de infectados no país atingiu a marca de 1.066 contaminados.
Há seis dias, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a doença como emergência de saúde, eram 607 diagnósticos positivos em território brasileiro, ou seja, um avanço de quase 57% em menos de uma semana. Diante do aumento, o Ministério da Saúde começou a tratar a enfermidade como “surto”.
Questionada pela reportagem, a pasta informou que “o controle da varíola dos macacos é prioridade para o Ministério da Saúde, que realiza o constante monitoramento da situação epidemiológica para orientar ações de vigilância e resposta à doença no Brasil”. O órgão pontuou ainda que tem buscado “alternativas céleres para a aquisição da vacina”.
O Ministério também ativou o Centro de Operação de Emergências (COE) para elaboração do Plano de Contingência do surto da monkeypox. Medida semelhante foi instaurada para a Covid-19 em fevereiro de 2020, três meses após o surgimento na China.
No mês seguinte, começaram as primeiras medidas restritivas. O início da imunização no Brasil, no entanto, ocorreu cerca de um ano depois.
Mundo está mais propenso
O virologista José Eduardo Levi, professor do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), aponta avanços registrados em termos de vigilância, da valorização das vacinas e do sistema público de saúde. O desenvolvimento de um imunizante também ocorreu com uma rapidez sem precedentes.
“Eu quero acreditar que estamos mais preparados, se não seria um suicídio coletivo. Imagine passar por uma crise dessas e não aprender nada. Estamos mais vigilantes, porém o custo pago foi enorme. Estamos entre os países com o maior número de mortes”, reforça o coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento dos Laboratórios Dasa.
A explicação para essa agilidade no caso das vacinas veio devido à realização de fases do processo ao mesmo tempo. Não houve redução da burocracia, tampouco descaso com o cumprimento das etapas. Essa eficiência também deve deixar um legado para outras crises de saúde globais — que, certamente, vão ocorrer.
Avanço de epidemias
Atualmente, o mundo reúne uma série de características que facilitam ainda mais o aparecimento (ou o ressurgimento) de doenças infecciosas. “Não há dúvidas de que o risco do surgimento de novas pandemias é cada vez maior”, elucida o virologista Levi.
O crescimento populacional; a crise climática ocasionada pelo arquecimento global; o fluxo de pessoas entre países; e o avanço de centros urbanos em territórios antes dominados pela natureza são fatores que garantem esse cenário, segundo posicionamento oficial enviado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
“Temos grandes desafios para que a humanidade se proteja dos desequilíbrios dos agentes infectantes, e temos sempre que fortalecer a vigilância e a resposta às emergências”, frisa o Conass, em nota enviada à reportagem.