Anvisa: pedido de vista trava debate sobre maconha medicinal
Há pressão do governo federal para que resoluções sobre regulação do plantio para uso medicinal sejam arquivadas
atualizado
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O debate sobre a liberação do cultivo da maconha no Brasil por empresas para a produção de medicamentos e pesquisa foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para a avaliação) de um dos diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A entidade se reuniu na manhã desta terça-feira (15/10/2019) para debater o tema, após um adiamento fruto da intensa pressão do governo federal.
A administração de Jair Bolsonaro (PSL) tenta brecar o debate. Em agosto, quando o mandato de um dos diretores acabou, o governo indicou um militar para o posto, o contra-almirante Antonio Barra Torres. Nas últimas semanas, a possibilidade de que ele pedisse vista foi considerada por vários participantes do processo. E foi o que ocorreu, após o primeiro voto, do diretor-presidente da agência, William Dib, pela aprovação das resoluções. O pedido de vista foi acompanhado pelo diretor Fernando Mendes.
O uso da maconha para fins medicinais no Brasil já é previsto em lei, mas ainda não existe regulamentação — que seria papel da Anvisa. As resoluções foram propostas por Dib, e passaram por consultas públicas entre 21 de junho e 19 de agosto deste ano.
Segundo a Anvisa, 560 contribuições aos textos foram feitas na consulta pública, das quais 22% foram aceitas. Eram questões técnicas, principalmente ligadas à segurança, como uma definição mais clara do tipo de ambiente fechado em que poderia ser feito o plantio.
Para serem aprovadas, as resoluções precisavam da maioria dos votos dos cinco diretores.
O primeiro a votar foi o diretor-presidente da agência. Em uma longa explanação, ele defendeu que a regulamentação do plantio por empresas era uma questão técnica e que uma decisão é necessária no contexto da saúde pública.
Oposição do governo
Comandado por Jair Bolsonaro, o governo federal se opôs à iniciativa do diretor-presidente da Anvisa desde o início dos debates. Falas do próprio Bolsonaro e dos ministros da Saúde, Henrique Mandetta, e da Cidadania, Osmar Terra, mostraram a discordância do Executivo para a autorização do plantio.
Para o governo, não se deve acabar com a maconha medicinal no país, mas o melhor caminho é que as empresas importem os princípios ativos, que podem ser usados em medicamentos, sem que haja a autorização para o plantio em solo nacional.
Tensão no debate
Pressão e tensão estiveram presentes no evento. Antes da votação, interessados se inscreveram para falar. Um deles foi o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), que é capitão da PM e defendeu que o debate fosse interrompido pela Anvisa e feito pelo Congresso. Ele levantou questões relativas à segurança pública e ao risco de desvio da produção. “Quem vai fazer a segurança? As empresas? A Vale, em Brumadinho, nos mostrou o que ocorre quando empresas fazem a segurança”, disse, além de alertar para os perigos do uso da maconha.
Em seguida, falou o representante das famílias de crianças com epilepsia no Brasil, Norberto Fisher. Ele defendeu a aprovação das resoluções contando histórias de pacientes que tiveram a vida mudada pelo uso de medicamentos à base de maconha e de outros que morreram esperando essa chance. Ao fim, chamou de infantis argumentos que haviam sido usados pelo senador Styvenson, sem citá-lo nominalmente. Quando Fisher sentou, porém, foi questionado duramente por Styvenson em uma discussão que precisou ser acalmada por outro senador, Eduardo Girão (Podemos-CE).
Girão defendeu o cuidado com a liberação do uso medicinal da cannabis devido “ao lobby milionário e poderosíssimo de empresas”.
Houve também parlamentares que foram à sessão e usaram a palavra para defender a aprovação das resoluções, como a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é cadeirante e usuária da maconha medicinal. “Quem diz que maconha é a pior droga que existe deve ter parado nos anos 1960”, defendeu ela. “Não dá para comparar maconha com cocaína, com crack, com metanfetamina. Temos que trabalhar em cima de evidências e não podemos ir na contramão de tantos países que estão inclusive combatendo desemprego com esse mercado crescente”, acrescentou.