Salvador: moradores tentam barrar prédio de 36 andares em reserva
Leilão da prefeitura para vender área verde mobilizou MPF, entidades e moradores, que alegam graves e irreversíveis riscos ambientais
atualizado
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A milionária venda de uma área de proteção ambiental em Salvador para um empreendimento imobiliário tem mobilizado moradores da cidade, entidades de classe e Ministério Público, que são contra a tentativa da prefeitura de conceder o terreno à iniciativa privada sem a devida discussão ou comprovação do processo legal. O caso foi parar na Justiça e repercute até no Ministério do Meio Ambiente.
Por meio de leilão, a Prefeitura de Salvador colocou à venda o terreno, localizado no bairro Corredor da Vitória, à beira da Baía de Todos os Santos. O negócio pode destruir a mata nativa (foto em destaque) para dar lugar a um condomínio vertical, com prédio que pode chegar a 36 andares.
O Ministério Público Federal (MPF) e uma série de ambientalistas argumentam que o negócio acarretará problemas irreversíveis para o local se ocorrer da forma como está prevista. São apontados prejuízos para a renovação dos recursos hídricos, mudança da paisagem, comprometimento da fauna e flora local e destruição da vegetação nativa.
O declive de 45 graus do terreno também é apontado como um risco de instabilidade no prédio a ser construído. Além disso, foram levados à Justiça indícios de possível direcionamento no leilão.
Até agora, os moradores, os especialistas e o Ministério Público obtiveram vitórias judiciais. Na ação que levou à liminar de suspensão do leilão, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU) argumentou que a Prefeitura de Salvador não justificou o interesse público da desafetação da área e apontou que o leilão não seria realizado de forma eletrônica, que é a regra pela lei de licitações. Além disso, os autores denunciaram a ausência de debate público com os moradores do entorno do terreno e a falta de estudos técnicos.
Uma decisão judicial em primeira instância deixou o negócio sub judice. A prefeitura recorreu e marcou o pregão. Mas, em 15 de março, em segunda instância, a Justiça acatou pedido do CAU-BA e manteve o processo de venda suspenso. O lance mínimo inicial era de R$ 10,9 milhões.
A desembargadora federal Ana Carolina Roman, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), atestou a “clara inobservância das normas que regem a desafetação da área”. Segundo a magistrada, no processo de venda faltam demonstração de interesse público primário e estudos técnicos específicos de âmbito urbanístico, social e ambiental. No entendimento dela, “o leilão fere a observância da lei”.
“Proposta esdrúxula”
O Metrópoles conversou com o arquiteto que elaborou um dos pareceres que tratam das restrições pertinentes à área e foram anexados ao processo. Fernando Peixoto considera que a proposta de desafetação do local se “constitui uma proposta esdrúxula e, obviamente sem sentido, seja urbanístico, seja econômico”.
No parecer que fez sobre a área, Peixoto ressaltou que a proposta de desafetação e os parâmetros para leilão têm três problemas principais: a infração a leis, ao código de obras e ao tombamento da área verde. Ele apontou ainda que a venda em questão só interessa a um possível comprador: “o proprietário do terreno adjacente”. Assim, o arquiteto ressalva que fazer um leilão para a venda da área seria inadequado, pois poderia haver uma “venda dirigida”. O terreno adjacente pertence a uma construtora.
Nos autos dos processos e nos termos do leilão, há o compromisso da prefeitura de que a mata nativa da região seria mantida, com preservação do meio ambiente.
Os argumentos são de que a venda do terreno melhoraria o potencial construtivo do projeto que está em desenvolvimento, além de gerar empregos e aumento da arrecadação de impostos na região.
Os denunciantes, porém, alegam que não há certeza sobre a viabilidade legal e ambiental de qualquer tipo de obra ou ocupação na área a ser vendida, pois ela pode ser uma Área de Preservação Permanente (leia mais abaixo).
Tramitação
A desafetação da área – ou seja, fazer com que o terreno deixe de ter uma vinculação específica – foi aprovada pela Câmara Municipal de Salvador em 20 de dezembro de 2023. O texto foi um pedido do prefeito da capital baiana, Bruno Reis (União Brasil).
Assim que a desafetação foi aprovada, o Ministério Público Federal (MPF) e o CAU-BA ajuizaram ações para tentar reverter a medida.
Em 14 de março, um dia antes de o leilão ser suspenso, o prefeito de Salvador, Bruno Reis, afirmou a veículos locais que o espaço no Corredor da Vitória ficaria preservado em razão de ser uma área de proteção ambiental.
“Tenho convicção de que estou fazendo o melhor para a cidade. Vai continuar uma área de proteção, não vai ter um paralelepípedo, uma pá de cimento, um bloco. Uma área que vai continuar intacta, preservada”, disse ao Bahia Notícias, parceiro do Metrópoles.
O medo dos moradores e de especialistas, no entanto, é que, a exemplo do que ocorreu em outros condomínios da região, não reste uma só árvore na área de preservação e que o dano seja permanente.
Área de Proteção Ambiental
O imóvel em disputa é classificado como Área de Proteção Ambiental (APA) e tem 6.699 m² na Encosta da Vitória, local considerado de extrema relevância ambiental, que fica em área nobre de Salvador. Nas APAs é permitido certo grau de ocupação humana, desde que não represente ameaça para os recursos ambientais renováveis e processos ecológicos.
No entanto, o CAU-BA e o MPF alegam que, dentro dessa APA de Salvador, pode existir uma Área de Preservação Permanente (APP). As APPs são ainda mais restritivas: trata-se de locais que devem ser intocáveis, onde não é permitido construir, cultivar ou promover a exploração econômica.
A APP demanda cuidado ambiental intenso. As APPs são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Foi pedido parecer do Ministério do Meio Ambiente sobre o tema. Na decisão de 15 de março, a desembargadora federal Ana Carolina Roman afirmou que “há uma possibilidade de a referida área, objeto do leilão agendado para o dia 15/03/2024, se tratar, em verdade, de Área de Preservação Permanente (APP)”.
Ao Metrópoles o Ministério do Meio Ambiente informou ter respondido ao Ministério Público Federal sobre os termos técnicos da região, mas não revelou o teor. A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Salvador, mas não obteve resposta até a última atualização desta matéria.