Saiba o que é o “Mito da Caverna” de Platão, citado por Mandetta
Em crise com o presidente Bolsonaro, ministro da Saúde disse que releu diálogo entre Sócrates e Glauco sobre ignorância e conhecimento
atualizado
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Na entrevista coletiva que concedeu nesta segunda-feira (06/04) para anunciar que ficaria no cargo, logo após vencer a queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, revelou que, durante um pausa para descanso, no último fim de semana, releu o Mito da Caverna, um dos textos mais conhecidos de Platão. São informações do Estadão.
Na obra A República, escrita no século 4 a.C. pelo filósofo grego, consta a chamada Alegoria da Caverna, que mostra o diálogo entre Sócrates e Glauco sobre ignorância e conhecimento – sobretudo sobre a importância de se ter acesso ao conhecimento para sairmos da caverna (e para queremos ficar fora dela).
A citação foi recebida como uma alfinetada em Bolsonaro, que tem se demonstrado contrário às ações do ministro no que diz respeito ao combate ao coronavírus, exatamente no dia em que Mandetta poderia ter sido demitido do cargo.
“Esse final de semana foi de muita reflexão para todos. No sábado, eu não fiz a coletiva (de imprensa) justamente para sair um pouco de noticiário. Eu achei que o da sexta já tinha sido suficiente”, explicou o ministro.
“Fomos cada um ler um pouco. Eu falei leiam, leiam outros livros. Eu fui ler o Mito da Caverna, que é um dos diálogos de Platão, que eu tinha lido aos 14 anos pela primeira vez e já li umas 20 até hoje e não consigo entender, continuei sem entender. E cada um voltou, no domingo à noite, suas baterias todas focadas para essa semana de trabalho. Infelizmente, começamos com mais um solavanco a semana de trabalho. Esperamos que a gente possa ter paz para poder conduzir”, continuou o ministro.
Mas o que quer dizer o “Mito da Caverna”, de Platão? Saiba agora:
O mito começa com Sócrates pedindo para Glauco imaginar um grupo de pessoas vivendo acorrentadas numa caverna desde a infância, amarradas pelos pés e pescoço e impossibilitadas de mudar de lugar e até mesmo de olhar para o lado.
A luz que chega vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, e tudo o que veem é a sombra de objetos sendo carregados projetada na parede na frente deles – e essa sombra seria a única coisa verdadeira para esses prisioneiros.
Sócrates sugere, então, imaginar esses prisioneiros sendo libertados e “curados de sua desrazão”.
“Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente”.
Ele continua: “O que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?”.
Sócrates questiona ainda: “E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram?”.
No caso de tirarem a pessoa à força da caverna e a obrigarem a subir, a sair, ela sofreria e se irritaria. “E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros”.
É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto, explica Sócrates. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos objetos refletidas na água e em seguida os próprios objetos. À noite, poderá contemplar as constelações e o próprio céu e, de dia, a luz do sol.
“Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna”.
Sócrates continua seu raciocínio. “Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?”.
Imaginando que esse homem liberto volte à caverna, agora com a visão ofuscada pelas trevas, e não mais pela luz, e tente emitir um juízo sobre as sombras, ele poderia entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados.
“Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?”.
Platão conclui dizendo que é preciso assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, à luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol.
Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, ele escreve, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível.
“Nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a ideia do bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz. No mundo inteligível, ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência”.
E finaliza: “Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública”.