Saiba como disputa entre pamonharias levou à morte de cozinheira em GO
Relembre a história de Marizete, baleada e queimada pela dona da pamonharia concorrente. Mãe e filho foram condenados, mas estão soltos
atualizado
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Goiânia – A dona de casa Geralda, de 60 anos, acordou no meio da noite assustada com os barulhos de gritos pedindo socorro. Quando saiu na rua, em Abadia de Goiás, na região metropolitana da capital, viu uma cena assustadora: uma mulher com o corpo inteiro sangrando, com queimaduras expostas, vestida só de blusa e calcinha.
Entre os lamentos de dor, a mulher contou que trabalhava em uma pamonharia, que uma pessoa chamada Willian tinha atirado nela e que a mãe dele, Tatá, havia ateado fogo em seu corpo. A vítima gravemente ferida era a cozinheira Marizete de Fátima Machado, torturada e morta aos 53 anos, em março de 2015. A motivação do crime segundo a investigação? Concorrência entre pamonharias.
Veja quem é quem no caso:
Desacordo comercial
Para entender essa história é preciso voltar no tempo, um ano antes do assassinato. A empresária Sueide Gonçalves da Silva, 55, a Tatá, resolveu abrir a pamonharia Sabor Registrado, no bairro Jardim América, em Goiânia.
Acontece que já havia uma outra pamonharia em frente, a Espiga de Milho. Com uma clientela tradicional e Marizete comandando a cozinha, o estabelecimento mais antigo sempre vendia mais que o novato.
Foi a partir daí que Sueide começou a nutrir um ódio da concorrência e de seu principal trunfo, a cozinheira Marizete, que trabalhava ali havia mais de 10 anos e é lembrada por testemunhas como uma “excelente funcionária”, “muito habilidosa” e que “fazia um caldo muito gostoso”.
As ofensas de Tatá começaram de uma maneira quase infantil. A dona do Sabor Registrado mostrava a língua e fazia gestos obscenos para a cozinheira do Espiga de Milho.
Certa vez, Tatá foi além e contratou um carro de som para colocar na porta do estabelecimento e trazer clientes. No entanto, nada teria adiantado, nem os preços mais baratos da nova pamonharia.
Marizete nunca reagiu ao ódio e achava que Tatá ia se cansar daquela implicância, segundo depoimento no processo criminal. Mas não foi isso que aconteceu.
Sequestro
No começo da noite de domingo, 29 de março de 2015, Marizete deixava a pamonharia depois de um dia de trabalho, quando foi sequestrada. Tatá e seu filho Willian, então com 28 anos anos, abordaram a cozinheira em uma caminhonete S-10 prata. Mãe e filho levavam um revólver no veículo. Durante o caminho, Marizete foi agredida por Sueide com socos e ameaçada.
Enquanto agredia a cozinheira, Tatá teria detalhado a forma como cometeria o assassinato da inimiga e ameaçou matar o filho de Marizete, o patrão dela, dono da pamonharia, e os filhos dele. A própria vítima relatou isso para testemunhas, que contaram à polícia durante a investigação.
Marizete foi levada até a zona rural de Abadia de Goiás e colocada sentada em um barranco e enrolada em papel alumínio. Em seguida, acabou baleada com seis tiros por Willian, segundo a polícia, que atingiram sua cabeça, antebraço e tórax. Sueide então jogou álcool no corpo da vítima e ateou fogo. Mãe e filho saíram correndo.
“Socorro!”
Mesmo baleada e com 44% do corpo queimado, Marizete teve forças para rolar sobre uma vegetação úmida e andar mais de 1 quilômetro até a vila Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, conhecida como Pau Baixo.
Segundo testemunhos, a cozinheira gritava por socorro, dizia que não queria morrer e sentia muitas dores. Uma moradora enfermeira prestou os primeiros socorros, na porta da casa da dona Geralda, citada no início do texto.
Diante dos moradores do Pau Baixo, Marizete usou um celular emprestado e ligou para o seu patrão. Ela relatou o crime diante das testemunhas e pediu que o dono da padaria tomasse cuidado. Mais tarde, Marizete ainda relataria o crime ao filho e a um policial militar.
Sueide foi presa em flagrante quando chegava em casa de madrugada, horas após o crime. Já Willian foi preso quatro dias depois em Quirinópolis, a cerca de 300 km de Goiânia.
A cozinheira acabou internada no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), passou por uma cirurgia, mas não resistiu e morreu na tarde de terça-feira, 31 de março de 2015.
Comoção
A morte cruel de Marizete gerou grande comoção pública e repercussão nacional. O filho da cozinheira assassinada, Douglas Vinicius, então com 25 anos, ficou revoltado com o homicídio da mãe e ateou fogo na pamonharia de Tatá. Ele chegou a ser preso em flagrante, mas acabou liberado após pagar fiança.
Douglas teve um destino semelhante ao da mãe. O jovem foi esfaqueado e morto em janeiro de 2017, em uma praça do setor Campinas. A motivação, segundo a polícia, foi uma dívida com traficantes.
Ele morreu sem ver a condenação dos assassinos da mãe. Sueide foi condenada a 17 anos de prisão e Willian, a 15 anos. O júri popular, em março de 2017, se mostrou unânime.
No entanto, a defesa de mãe e filho recorreu à segunda instância no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e conseguiu diminuir a pena em abril de 2019. Sueide, a Tatá, está solta com tornozeleira eletrônica desde fevereiro de 2020. O filho conseguiu a liberdade monitorada em junho do ano passado.
O Ministério Público de Goiás (MPGO) entrou com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda não foi julgado.
Explicação mágica
Diferentemente da conclusão do MP e da polícia, a empresária Sueide nega que tenha matado Marizete por causa de uma briga comercial. Em depoimento perante o juiz, ela afirmou que a causa do crime foi um suposto trabalho espiritual que a vítima teria realizado contra ela.
A explicação de Sueide varia. Logo depois que foi presa, Tatá disse que se arrependia por não ter jogado mais álcool na vítima e que ela decidiu cometer o crime em setembro de 2014, após a morte por causas naturais da mãe de 84 anos.
Na sua versão, a morte da mãe seria fruto de um trabalho espiritual feito por Marizete. Uma pessoa evangélica a teria alertado sobre esses “trabalhos”. As declarações foram dadas em entrevista para a jornalista Rosana Melo, no jornal O Popular, e são consideradas no processo.
Incorporada
Já diante do juiz, Sueide apresenta outra versão. Ela admite que confessou o crime para a jornalista, mas alega que fez isso porque “sai de si” toda vez que toca no assunto do crime.
Para o juiz, Tatá afirma que a cozinheira ateou fogo no próprio corpo ao acender um cigarro, enquanto ambas faziam um ritual com velas. A empresária alega que ambas ficaram incorporadas por uma entidade e que os tiros teriam ocorrido nesse momento.
A defesa da mãe e do filho afirma que Sueide possui desvio de personalidade e que não há provas da participação de Willian. Ele diz que apenas assistiu ao crime pelo retrovisor, de dentro do carro.
A pamonharia Espiga de Milho funciona no mesmo local até hoje. O espaço onde ficava o ponto da família que matou a cozinheira atualmente abriga uma igreja evangélica.