Saiba como a invasão ao Capitólio nos EUA pode ter reflexos no 7 de Setembro
Mensagens golpistas circulam em grupos, mas os bolsonaristas mais influentes têm pregado fortemente contra a violência
atualizado
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Neste domingo (14/8), faz um ano que o cantor Sérgio Reis ganhou as manchetes ao convocar os “patriotas” brasileiros para irem em peso a Brasília no feriado da Independência pressionar o Exército a “tomar uma posição”. Nas semanas seguintes, o país viveu a tensão dessa e de inúmeras outras ameaças golpistas que culminaram na ocupação da Esplanada dos Ministérios por caminhoneiros radicalizados que tentaram invadir o Supremo Tribunal Federal (STF). A data ainda teve discurso belicoso do presidente Jair Bolsonaro (PL), que ameaçou não mais cumprir ordens do ministro Alexandre de Moraes.
Um ano depois, e mesmo com o presidente tendo iniciado as mobilizações para o 7 de Setembro convocando seus apoiadores a irem às ruas “pela última vez” contra “os surdos de capa preta”, o clima de golpismo é menos visível e o radicalismo está mais restrito a personagens sem grande poder de mobilização.
Essa temperatura mais baixa, pelo menos até agora, é fruto de sinais ambíguos do próprio presidente, que tem sido pressionado por seus coordenadores de campanha a evitar uma radicalização num momento em que se recupera nas pesquisas de intenção de voto, e do temor dos próprios militantes de serem alvos de um cerco judicial.
Invasão ao Capitólio como exemplo do que não fazer
Não é que não haja golpismo nas convocações. Um levantamento do Observatório das Plataformas Digitais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apurou um aumento de 290% na circulação de mensagens com menções ao 7 de Setembro em grupos de WhatsApp na última semana de julho, em comparação com o mês anterior. Grande parte dessas mensagens defende pautas antidemocráticas, como o fechamento do STF.
A diferença é que os disparos radicalizados não partem de perfis “famosos”. Personagens com o alcance do próprio Sérgio Reis e outros grandes mobilizadores de radicais no ano passado, como o influenciador Zé Trovão, foram enquadrados ainda em setembro de 2021 pelo STF, que proibiu os dois e outras oito pessoas de se aproximarem da Praça dos Três Poderes no dia da manifestação, num inquérito que segue aberto até hoje e ainda impede os investigados de ter perfis em redes sociais.
Porém, um exemplo ainda mais vivido para os bolsonaristas dos riscos de atentar contra a democracia vem dos Estados Unidos, onde participantes da invasão ao Capitólio para tentar impedir a confirmação da vitória de Joe Biden contra Donald Trump estão sendo condenados à prisão.
“Faço um alerta porque já vi aqui nos EUA o filme que está passando no Brasil”, disse, em vídeo recente que tem repercutido entre a militância bolsonarista, o influenciador digital Leandro Ruschel, que mora na América do Norte. “A quem serviu a invasão do Capitólio? À esquerda ou aos conservadores, [porque] desde então todo sistema eleitoral americano foi modificado”, continuou ele, antes de afirmar, sem provas, que a ação violenta dos trumpistas, que deixou cinco mortos e centenas de feridos, pode ter sido facilitada de propósito pelas autoridades.
“É muito difícil acreditar que um dos prédios mais bem guardados do mundo foi invadido por alguns manifestantes e que não houve reforço na segurança”, teorizou ele. “E, para mim, parece óbvio que há um esforço pra criar um 6 de janeiro brasileiro e assim facilitar a criminalização do movimento conservador. Eles precisam de uma desculpa pra ir adiante nesse processo de perseguição”, continuou Ruschel, que pediu aos bolsonaristas:
“É preciso ter um cuidado exacerbado para [o 7 de Setembro] ser 100% pacífico, 100% ordeiro. É preciso redobrar o cuidado e ter cuidado adicional com infiltrados, porque tudo leva a crer que teremos alguma circunstância criada para algum tipo de contra-ataque”.
E quando o youtuber bolsonarista Ed Raposo celebrou em uma transmissão que a preparação para as manifestações bolsonaristas estavam “com cheirinho e reedição da marcha da família com Deus, de 1964”, que foi usada como uma das justificativas para o golpe dado pelos militares no então presidente João Goulart, outros influenciadores governistas correram para condenar a fala, até o próprio Raposo se retratar e alegar que falava dos princípios dos participantes da marcha, não dos “resultados”.
Influenciador bolsonarista com 564 mil inscritos em seu canal no YouTube, o advogado Mauro Fagundes também fez “alerta” parecido em vídeo postado no último dia 11 de agosto, prevendo que “a esquerda vai aperfeiçoar” o “plano” da invasão ao Capitólio para o 7 de Setembro. “É preciso atenção, principalmente em Brasília”, disse ele.
Na mesma linha tem atuado o comentarista político Rodrigo Constantino, que disse, em transmissão na Jovem Pan News também na última semana, que “a oposição está tentando melar o movimento e espalhando boato de que vai ter atentado”, e convocou quem for participar dos atos a “mostrar que somos ordeiros”.
Sinais trocados de Bolsonaro
A militância também espera uma definição mais clara do próprio Bolsonaro sobre o perfil das manifestações daqui a três semanas. Quando fez a primeira convocação, na convenção do PL, ainda em 24 de julho, o presidente deu a entender que o maior ato estaria marcado para Brasília, para coincidir com o desfile militar na Esplanada, que não ocorreu nos últimos dois anos devido à pandemia de coronavírus, mas voltará a ser realizado este ano.
Na época, militantes mais animados começaram a organizar caravanas para a capital federal, mas, nos dias seguintes, o presidente mudou de tom e começou a convocar os apoiadores para o desfile no Rio de Janeiro, no que foi interpretado em Brasília como um “gesto” ao Poder Judiciário, de que não haveria tensão em Brasília desta vez.
Em seguida, o próprio ato no Rio foi perdendo protagonismo porque falhou o plano do presidente de mudar o desfile militar na cidade do Centro, onde ocorre tradicionalmente, para a orla de Copacabana, local onde os bolsonaristas já costumam se manifestar.
A indefinição, que é motivada pelas pressões que aliados têm feito sobre o presidente para fugir de pautas antidemocráticas, tem deixado a militância confusa e o foco tem sido em organizar atos em cada grande cidade, não em viajar para os grandes centros.
Categorias fortes que se mobilizaram ou fizeram ameaças no ano passado, como caminhoneiros e policiais, também não estão se mobilizando de maneira organizada. Em 2021, havia um grande temor de adesão em massa de policiais militares e civis armados às manifestações, o que acabou não ocorrendo na prática. Nas semanas anteriores, porém, a preocupação levou a atos como a demissão, pelo então governador paulista João Doria (PSDB), de um comandante de tropas no interior do estado estava chamando “amigos” para o ato e criticando dura e abertamente o STF e o próprio ocupante do Palácio dos Bandeirantes.
Riscos não estão descartados
A falta de uma mobilização mais sólida de militantes radicais não quer dizer que ameaças de violência no próximo feriado estejam descartadas. Para Mário Braga, analista sênior da consultoria de avaliação de riscos Control Risks, as manifestações pelo Brasil tendem a ser “majoritariamente pacíficas”, mas há risco de confrontos devido ao clima de polarização política no país.
“Dada a polarização da eleição presidencial entre Lula e Bolsonaro e a radicalização de parte do eleitorado, especialmente daqueles na extrema-direita, existe o risco latente de confrontos ou incidentes de segurança isolados”, afirma ele, em entrevista ao Metrópoles. “Mas o fato de o PT ter orientado a militância a não participar de atos no dia 7 de Setembro e convocar mobilização para o domingo seguinte (10/9) é um fator que deverá mitigar os riscos de confrontos”, continua ele, que prevê, dos bolsonaristas, ataques “retóricos” às instituições democráticas, mas não violência em forma de depredação.
“As ameaças de segurança mais mais prováveis devem se materializar na forma de brigas entre indivíduos e grupos pequenos. Tais incidentes podem ocorrer, inclusive, no deslocamento de manifestantes para os protestos, seja no trânsito ou no transporte público”, diz Braga. “O relaxamento das regras para posse e porte de armas desde 2019 eleva os riscos de que incidentes isolados resultem em disparos, colocando também transeuntes em risco”, complementa o analista.