Saiba as questões mais comuns feitas ao tarô e aos astros na pandemia
Questões amorosas dividem mais espaço com as angústias da mudança de carreira e das buscas por emprego e autonomia em um país em crise
atualizado
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São Paulo – As dúvidas sobre o amor não correspondido ainda dominam a mente dos que procuram respostas com profissionais das ciências ocultas. Mas, com a pandemia do novo coronavírus, as estrelas e as cartas têm se dedicado um pouco mais a outros setores da vida.
O Metrópoles ouviu astrólogos e tarólogos que anunciam seus serviços pela internet, nas redes sociais e em postes nas ruas de São Paulo, capital, para saber o que vem angustiando seus consulentes. Por unanimidade: dinheiro e carreira.
Vou conseguir sustentar a minha família?
Perguntas que chegam à cartomante Marisa de Oxum, no Viaduto do Chá
Quando isso vai passar?
Marisa Alves, conhecida como Marisa de Oxum, se apresenta como a mais antiga cartomante do Viaduto do Chá, região tradicional do centro da capital paulista.
Nascida sob o signo de Aquário em Teófilo Otoni (MG), atende desde 1983, quando jogou suas cartas pela primeira vez no centro de São Paulo, carregando um filho no ventre. A escolha por atender na famosa ponte não é por acaso.
“Ponte é passagem. As pessoas vêm aqui procurando uma mudança, procurando uma resposta. Mas às vezes a gente está tão agoniado que pensamentos negativos nos dominam. O que mais vi aqui foi gente pensando que se matar era a solução”, afirma Marisa.
Durante a pandemia, a situação que mais marcou a veterana foi um advogado que vislumbrou dar cabo na própria vida. “Era um homem muito fino, a gente percebe só pelo jeito de falar. Tinha muitos problemas, de relacionamento, de negócios e de saúde na família, tudo por causa da pandemia“, relata Marisa.
A cartomante conta que ofereceu ajuda, e até ficou “enrolando” um pouco o advogado. “Eu via que chegava para ele um fim (isso eu não contei para ele), com muito aprendizado (isso eu contei). O homem tinha quase dois metros, fiquei com medo de ele se jogar. Fiquei enrolando até aparecer a polícia, que então o levou.”
O público de Marisa, diz a cartomante, é majoritariamente mais velho, a partir de 45 anos, se distribuindo igualmente entre homens e mulheres trabalhadores do comércio da região — lojas, lanchonetes e mercados.
Normalmente, chegam à Marisa problemas amorosos e financeiros. No campo amoroso: separações, conquistas e impotência sexual; no financeiro, o foco é em dívidas e aposentadoria. Mas nos últimos tempos aumentou a demanda por questões relacionadas à busca de emprego.
“Consigo indenização? Abro um negócio? Volto a trabalhar quando? Está muito difícil para quem é mais velho e sem um serviço”, afirma ela.
Com 60 anos, a cartomante ainda não foi vacinada. Sob um guarda-sol, espera os poucos clientes de máscara e com um frasco de álcool em gel. Apesar de também atender por WhatsApp, Marisa diz gostar da rua, mesmo com a queda de movimento por conta da fase emergencial vigente em São Paulo.
Questionada se seus clientes procuram proteção contra o vírus, ela diz que procuram “proteção em geral”. “É para a Covid, para não ser assaltado, para os filhos não perderem o emprego.”
Ela alerta que não se pode dar sorte ao azar. “Tudo isso vai passar, mas é preciso enfrentar com a cabeça e com fé. Este momento é para a gente se acertar no caminho, não é para brigar com as leis do universo.”
Este é o momento propício para aquela mudança?
Questões que chegam à taróloga Pam Ribeiro, a Bruxa Preta
Vou conseguir minha autonomia?
Pam Ribeiro, 28 anos, deixou o mundo da publicidade para se dedicar integralmente às cartas do tarô em 2019.
No Instagram, se apresenta como a Bruxa Preta, uma mística urbana, que atrai os muito jovens (homens e mulheres) e um público feminino bem informado, entre 25 e 35 anos. Pam também relata uma mudança de abordagens com a pandemia.
Os mais jovens permanecem buscando respostas sobre o amor não correspondido, mas as consulentes mulheres estão mais preocupadas em conquistar autonomia financeira e uma carreira mais gratificante.
“São mulheres muito fortes, com metas muito claras na carreira, e que buscam uma orientação para saber qual o melhor caminho para chegar aos seus objetivos”, afirma a taróloga Pam Ribeiro.
“Mesmo nas questões amorosas, as consulentes almejam consistência. Vale a pena se dedicar a esta pessoa ou vou perder tempo que eu poderia estar investindo nos meus sonhos?”, finaliza.
Durante a pandemia, a taróloga ficou marcada pela lembrança de ter atendido mãe e filha. A mulher mais velha buscava uma mudança na carreira, no momento em que a filha saía de casa. Já a filha estava ansiosa para dar seus passos em busca de independência, sem a presença da mãe, em outra cidade de outro estado.
“Foi incrível acompanhar a progressão das duas sob diferentes perspectivas e saber que deu tudo certo, apesar do momento que estamos passando”, declara Pam.
A taróloga também destaca que seu público “definitivamente não tem perfil negacionista“.
“Não menosprezam o vírus ou a ciência tradicional. Pelo contrário, valorizam muito. Meu trabalho está no terreno da espiritualidade. Basta observar o discurso dos negacionistas, eles mentem em nome de uma suposta ciência usada para fins políticos”, finaliza Pam.
A busca por respostas
São inúmeros os estudos científicos que já comprovaram que a astrologia e outras práticas divinatórias não demonstram relação de causa e efeito, não são reproduzíveis e estatisticamente consistentes. Corre contra a astrologia, por exemplo, o fato de que um mapa astral ignora a disposição real das constelações no universo.
Então por que tantas pessoas, mesmo as mais escolarizadas, recorrem ao ocultismo para a busca por respostas? Para Michael Shermer, entusiasta do ceticismo nas universidades americanas, isso ocorre para satisfazer as inquietações que não são respondidas e aliviadas pela ciência, pela política e pela economia.
Shermer trabalhou essa relação entre o apelo de fenômenos paranormais e das pseudociências sobre a população por quase duas décadas em sua coluna na revista Scientific American.
Para Shermer, a astrologia funciona pelo efeito do viés de confirmação, isto é, da nossa capacidade de interpretarmos informações de maneira a confirmar nossas hipóteses iniciais. “É uma maneira de não sofrer por assumir a responsabilidade sobre os próprios atos, mas delegar essa responsabilidade a uma entidade sobrenatural como a força do destino.”
O tarô, estatisticamente, é tão aleatório quanto os números da loteria, mas pode ser uma boa ferramenta de autoanálise. De acordo com a pesquisadora Inna Semetsky, da Universidade de Columbia, a força do tarô está na capacidade do consulente em crise de encaixar sua angústia na narrativa gerada pelas cartas e encontrar ali uma solução.
“O teste de Rorschach [aquele em que vemos figuras em manchas] e o jogo de areia de Jung fornecem uma estrutura compatível para analisar o fenômeno da prática do tarô como uma ferramenta de aconselhamento que pode cumprir algumas tarefas de avaliação clinicamente relevantes”, afirma Semetsky em artigo.
Segundo a pesquisadora, ao observar a interação entre consulentes e cartas, ela notou que mesmo as cartas que traziam perspectivas negativas tinham um efeito terapêutico de identificação de fraquezas e superação de problemas.