Saiba a diferença entre racismo e injúria racial, e quais são as penas
Especialistas explicam os conceitos jurídicos e como recorrer caso você seja a vítima ou presenciou uma cena em que houve discriminação
atualizado
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É quase unanimidade: 90% dos brasileiros acreditam que há racismo no país, é o que aponta uma pesquisa do Atlas Político. Apenas 5,7% dizem que não existe e 3,6% não souberam responder. Casos como o de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos que foi morto no último dia 19 por dois seguranças brancos após um desentendimento em um supermercado Carrefour, em Porto Alegre (RS), fizeram a questão da discriminação racial novamente ser trazida para o centro da consciência nacional.
No Brasil, há dois conceitos jurídicos que tratam de crimes de intolerância racial: o de injúria racial e o de racismo.
O advogado criminal Leonardo Pantaleão explica a diferença e as penalidades impostas nos dois crimes:
“O racismo é um preconceito a todas as pessoas em um determinado grupo. Por exemplo: tenho um restaurante e a placa fala “aqui não entra negro, ou não entra judeu'”, aponta Leonardo Pantaleão. A pena por este crime é de até 5 anos de reclusão.
A injúria racial é diferente, segue Pantaleão: “Vai existir toda vez que alguém utilizando elementos de raça, cor, condições pessoas idosas, portadora de deficiência para ofender uma única pessoa, como por exemplo chamar alguém de macaco”. Nesse caso, a pena é reclusão de 1 até 3 anos, mais multa.
O termo injúria racial é o que consta no boletim de ocorrência de Bernardo Martins, o caso do estudante de gastronomia de 20 anos que viralizou após sofrer abordagens racistas, no mês de agosto, enquanto comprava alguns ingredientes no hipermercado Extra, em Alcântara, São Gonçalo (RJ), para fazer seu bolo de aniversário.
O jovem foi seguido e chamado de “ladrãozinho” por um segurança do hipermercado. Bernardo também disse que o segurança o acompanhou pelo mercado, falando alto ao rádio, pedindo que a equipe conferisse se ele havia furtado algum produto.
Após o episódio ocorrido no hipermercado, o jovem resolveu pintar o cabelo de preto. “Era tradição passar o meu aniversário com o cabelo descolorido, mas aí aconteceu o que aconteceu no mercado, e eu queria tirar tudo de mim algo que poderia ter causado o racismo. Negro já é confundido com ladrão”, desabafou.
O Metrópoles retomou o contato com Bernardo e ele afirmou que o boletim de ocorrência, inicialmente estava classificado como injúria racial: “Porém a investigação continua, o delegado vai ver nas câmeras se houve algum outro tipo de comentário para talvez classificar como racismo.”
O caso foi atualizado nessa sexta-feira (27/11) e a Polícia Civil indiciou o gerente e um segurança pelo crime de racismo. A corporação afirmou que dois são acusados de seguir e ofender com palavras alusivas à cor da pele Bernardo Martins, de 20 anos, em agosto desse ano.
Bernardo diz ainda que o supermercado Extra só entrou em contato com ele por meio das redes sociais, e só na primeira semana após o incidente.
Leonardo Pantaleão confirma que a situação do boletim pode, de fato ser mudada para racismo, “caso fique comprovada uma fala que afeta o coletivo, como, ‘só poderia ser negro para fazer isso'”.
Imprescritível
O advogado Matheus Caitano é um dos participantes do grupo Suporte Jurídico do DF, criado com advogados e estudantes de direito, em 2020, com objetivo de prestar assistência aos que protestam contra o racismo e eventualmente sofrem com abuso de autoridade ou outras questões durante as manifestações. Caitano explica que o crime de racismo é imprescritível. “Isso significa que o agente pode ser processado, julgado ou ter a pena executada a qualquer tempo, independentemente de quando que aconteceu.”
O que fazer quando você passa por esta situação?
Caitano alerta que o primeiro passo é procurar as autoridades e narrar a situação: “Se o caso tiver sido gravado, você leva as filmagens. Se não, é legal levar uma testemunha”.
Se o caso foi de racismo, qualquer pessoa pode denunciar: “Não precisa ser a pessoa que sofreu. Se estou em um local, presenciei a cena, posso ir a uma delegacia e denunciar”. Se for de injúria racial, entretanto, é necessário que a vítima procure as autoridades.
Ele ressalta ainda que, na Justiça, a vítima também pode pedir uma reparação de danos morais, já que ela foi constrangida publicamente.
Episódios cotidianos
Bernardo Martins conta que, além do caso que passou no Extra, constantemente presencia cenas como uma pessoa escondendo a bolsa ou mudando de lado da rua quando o vê ou a outro negro. “Outro dia estava descendo de uma moto e duas meninas começaram a correr, pensando que era um assalto”, conta Bernardo.
O advogado Matheus Caitano explica que essas atitudes por si só não classificam crime: “Não podemos afirmar qual foi o real intuito da pessoa ao mudar de lado, por exemplo. Mas se essa atitude vier acompanhada de um comentário preconceituoso, de fato pode se enquadrar em injúria racial ou racismo”.
Apesar de vivenciar esse tipo de episódio cotidianamente, Bernardo ressalta: “Não podemos nos calar, temos que nos manifestar mesmo. Esses casos estão presentes desde quando a gente nasce. Temos que falar nossas crenças sexualidades, cor e raça”.