RJ: “É um ovo pra 3 e fico com fome”, conta Sonia, na luta por comida
Moradora do Morro da Providência, primeira favela carioca, lembra que chegou de Pernambuco esperando vida melhor. “Mas piorou muito”, conta
atualizado
Compartilhar notícia
Rio de Janeiro – Aos 11 anos, a pernambucana Sonia Silva, hoje com 63, chegou ao Rio de Janeiro na expectativa de desfrutar uma vida de sonhos e oportunidades. Acompanhada dos oito irmãos, seguiu para a casa da família, no Morro da Providência, primeira favela carioca, localizada na Zona Portuária, centro da cidade, e formada pelos trabalhadores que precisavam morar perto do Porto do Rio. Ali, Sonia conheceu sua primeira rede de solidariedade – e a realidade sob a qual estaria condicionada.
“Ah, a minha vida sempre foi de perdas. Perdi muita coisa. Família, marido e filhos… Aqui é muito problema, mas vamos levando. Sempre com a ajuda uns dos outros”, ensina a dona de casa, avó de três netos que moram com ela em uma casa oferecida pelo programa Cimento Social, do ex-senador e ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos).
Diante de todas as dificuldades, incluindo viver em meio à disputa de território entre polícia e traficantes de drogas, em uma das comunidades mais conflagradas da cidade, dona Sonia relembra a história de muito trabalho e de tudo que teve de abdicar para ajudar sua família. Entre as situações memoradas, a pernambucana recorda as vezes em que a dificuldade tirou da mesa o alimento para as pessoas que ama.
“Cheguei com 11 anos e não pude estudar. Saí da escola pra ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos. E, pra ajudar, fui trabalhar na casa dos outros. Hoje, sigo desempregada, desde antes da pandemia, por conta de uma hérnia de disco, o que agravou a situação (financeira) da casa, que já era ruim desde a morte do meu marido num acidente de trânsito”, revela.
Segundo Sonia, a pandemia mudou bastante a vida, uma vez que “quem ajudava com o pouco que tinha não pode mais ajudar”. “Os vizinhos e amigos estão passando necessidade como eu passo. Se já faltou comida? Já, claro. Várias vezes. Às vezes tem um ovo pra três. Divido por todos, um pinguinho pra cada um. É um ovo pra três, e fico com fome. E, nessa pandemia, quem tem pouco não vai dar pra alguém. Durmo sem saber se vou ou o que vou comer no dia seguinte”, lamenta.
A crise financeira não afetou apenas a despensa – também não permite que a família siga os protocolos sanitários para evitar a contaminação pela Covid-19, e aumentou na avó Sônia o medo de perder mais integrantes da família. “A gente vai na rua e vive sempre com medo. Porque a gente não toma os cuidados que tem que tomar, e eu ainda sou grupo de risco. Aqui é muita gente morrendo, precisando muito mais uma das outras”, conta.
Sonia recebe doações de igrejas e de vizinhos, para complementar o que obtém por meio do Bolsa Família. “Mas (o valor) foi reduzido. Recebia R$ 289, e hoje caiu para R$ 190. Com os R$ 200 que consigo das doações das igrejas, passo o mês com R$ 390. Preciso comprar comida, gás e remédios que não têm mais nos postos de saúde. E o governo não ajuda. Pra ajudar os pobres, eles tiram dos pobres. Quer dizer, a vida piorou muito”, constata.
Mesmo com todas as dificuldades, Sonia segue com planos e perspectiva para o futuro. “Minha esperança é acabar com essa doença e todo mundo ser vacinado”, completa, sonhadora.