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Revista histórica do Iphan pode não ser publicada em protesto à nomeação de pastor

Considerada de excelência nacional, cancelamento de edição é em protesto contra nomeação do pastor Tassos Lycurgo para a direção no Iphan

atualizado

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São Paulo – O periódico científico e cultural Revista do Patrimônio, publicado desde 1937 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) poderá não ter edição em 2020.

O possível cancelamento do projeto ocorre em protesto à nomeação do professor e pastor Tassos Lycurgo para a Direção do Patrimônio Imaterial (DPI) no Iphan.

No sábado (5/12), a organizadora da revista deste ano, a ex-diretora do DPI Márcia Sant’Anna, deixou seu cargo e desautorizou a publicação de artigos de sua autoria. Segundo o jornal O Globo, a decisão de Sant’Anna foi comunicada ao Departamento de Cooperação e Fomento (Decof). A informação foi confirmada pelo Metrópoles após contato com Sant’Anna por email nesta segunda-feira (07/12).

“Minha decisão deve ser vista como um ato de solidariedade e respeito ao trabalho excepcional de Hermano Queiroz à frente do DPI, e também de protesto contra a nomeação de uma pessoa que, embora possua diversos títulos acadêmicos, é totalmente estranha a esse campo e tem postado declarações nas redes sociais que demonstram sua inadequação para liderar essa política”, disse Sant’Anna.

Ela se refere a Tassos Lycurgo, professor do programa de pós-graduação em design da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pastor presidente da comunidade cristã Ministério Defesa da Fé, cogitada para assumir a direção do DPI.

Segundo ela, a militância religiosa de Lycurgo vai contra a natureza do cargo que ele pode ser nomeado.

Márcia Sant’Anna também declara que não liderou nenhum movimento de boicote à publicação da revista. “Encaminhei a minha decisão ao Iphan em caráter pessoal e a comuniquei aos demais autores. Estes decidiram apoiá-la, pois são especialistas do campo, respeitam o patrimônio e entendem, como eu, que o movimento de desmonte da área governamental da cultura e do Iphan exige reação intransigente e enérgica.”

Quem é Márcia Sant’Anna e Tassos Lycurgo

Entre 2004 e 2011, Márcia Sant’Anna foi diretora do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan. Ela é uma das autoras da Carta de Fortaleza, marco de direcionamento político na área. O documento influenciou diretamente a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2003. Hoje ela é docente da Universidade Federal da Bahia.

Márcia Sant’Anna quando comandava a Direção do Patrimônio Imaterial do Iphan, entre 2004 e 2011

O Departamento do Patrimônio Imaterial trabalha com bens culturais ligados a manifestações sociais, como festas ou práticas esportivas e artísticas. As olarias da região Sul, o modo de fazer queijo em Minas Gerais, a capoeira e o bolo de rolo são exemplos de patrimônios imateriais brasileiros.

Muitas das manifestações sociais consideradas bens imateriais são vinculadas a diferentes religiões. O Círio de Nossa Senhora de Nazaré é uma festa católica, a Cachoeira de Iauaretê é um local sagrado indígena, o Tambor de Crioula é vinculado ao sincretismo entre santos católicos e fé afro-brasileira.

Servidores do Iphan ouvidos pelo  consideram Tassos Lycurgo um militante religioso-cristão e temem que sua chegada implique uma defesa maior de manifestações cristãs em detrimento de manifestações de religiões não-cristãs, no âmbito das culturas afro-brasileira, indígena ou oriental.

“A política de salvaguarda não pode e nem deve estabelecer juízos de valor com relação a manifestações [de diferentes religiões]. As postagens e declarações do senhor Tassos Lycurgo não nos autorizam a pensar que esses princípios serão observados. Não porque professe a religião evangélica, mas porque claramente apresenta uma visão hierárquica, intolerante  e, portanto, não inclusiva de cultura”, declarou Marcia Sant’Anna.

Professor Tassos Lycurgo durante culto religioso

Tassos Lycurgo é graduado em direito e filosofia, com pós-graduações em filosofia e educação, na área de matemática e lógica. Nas redes sociais, demonstra maior inclinação a versar sobre a apologética religiosa, isto é, a defesa da existência de uma visão de Deus através de argumentos racionais.

O Ministério Defesa da Fé, que Lycurgo preside, se define como “uma comunidade de pessoas que suportam umas a outras e que segue Jesus Cristo porque está convencida de que o Cristianismo é a visão de mundo verdadeira”.

Interrupção de publicação

Segundo Marcia Sant’Anna, a edição deste ano da Revista do Patrimônio celebraria os 20 anos da política de salvaguarda do patrimônio imaterial. A edição era organizada em conjunto com Hermano Queiroz e Cláudia Márcia Ferreira, Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do Iphan.

Essa não será a primeira vez que a Revista do Patrimônio não circula. O periódico já foi interrompido entre 1947 e 1955 e, novamente, entre 1961 e 1968. No âmbito acadêmico, a publicação é classificada no sistema Qualis como “B1”, o que significa que é um periódico de excelência nacional.

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