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Repatriação de brasileiros fica 400 vezes maior na pandemia: “Situação de guerra”

Número de brasileiros que pediram para retornar ao Brasil chegou a 40 mil em julho de 2020. Antes do surgimento da Covid-19, eram 100 ao ano

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1 de 1 Coronavirus repatriados Brasil base anapolisCoronavirus repatriados Brasil base anapolis - Foto: Andre Borges/Esp. Metrópoles

As medidas impostas para combater o novo coronavírus atingiram em cheio brasileiros que moram ou que estavam a passeio no exterior. Desde a chegada da doença, no início do ano passado, as autoridades se mobilizaram para impedir a circulação de pessoas e, com isso, a disseminação do vírus. Isso resultou em um número alarmante de pedidos de repatriação.

Segundo o Itamaraty, a taxa de brasileiros que pediram para retornar ao Brasil – que antes do surgimento da Covid-19 era de 100 ao ano – chegou a 40 mil em julho de 2020: número 400 vezes maior, em comparação ao ano anterior ao surgimento da doença. Até 22 de abril, o ministério já havia gastado cerca de R$ 45 milhões com repatriações emergenciais.

Recentemente, o governo editou uma portaria para proibir os voos internacionais para o Brasil que tenham origem ou passagem pelo Reino Unido, após o surgimento de duas variantes recém-identificadas do novo coronavírus.

As restrições impediram que a esteticista Heloá Siqueira Odan, que mora em Londres, conseguisse passar o Natal com a família em São Carlos (SP). Heloá contou que comprou as passagens para o dia 23 de dezembro e só ficou sabendo que não poderia embarcar para o Brasil três dias antes da viagem – isso porque ligou para o aeroporto para pedir informações sobre a taxa de bagagem extra. Nesse momento, uma funcionária informou que ela não poderia viajar, visto que o voo teria escala nos Estados Unidos, país que também impôs restrições a pessoas do Reino Unido.

Sem ver a família há dois anos
A frustração de não poder passar o Natal com os pais e os dois filhos, que não vê há dois anos, transformou-se em angústia por não poder voltar para casa. Além disso, Heloá contou que teve muitos prejuízos financeiros.

Eu moro aqui há três anos e faz dois que não vou ao Brasil. Eu sempre dava um jeito, mas, quando arrumei um emprego, eu fiquei adiando e acabei não indo. Eu queria ver a minha família nas festas de fim de ano. Tive muitos prejuízos financeiros, porque vim para cá para trabalhar, mas agora estou gastando a minha reserva. Devolvi a casa onde eu morava e estou desempregada. Isso me deixou abalada e acabou com o Natal da minha família”, lamentou.

Com a intenção de evitar dores de cabeça com remarcações, ela pediu para a irmã comprar a passagem no Brasil, que foi adquirida em uma agência de turismo. Ela diz que o funcionário da empresa, mesmo sabendo das restrições no Brasil por causa da pandemia, não informou nada até que ela fosse procurar saber sobre a viagem.

“Eles [funcionários] me informaram que eu não poderia embarcar. Quem podia ir é só quem tem greencard. A agência deveria me mandar para outra empresa para vir de voo direto, mas não fez nada. Estou até hoje aqui, parando em casa de amigos, sem trabalhar, gastando a reserva que fiz para ir ao Brasil”, falou.

Sem nenhum retorno da agência e de autoridades, Heloá diz que não sabe quando poderá ver os filhos de novo. “Não tenho nenhuma solução, nem o dinheiro de volta. Não tenho nenhuma expectativa sobre a liberação dos voos. Eu não sei o que vou fazer”, declarou a brasileira.

“Situação de guerra”

A situação atípica, em decorrência do Covid-19, pegou de surpresa os servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE), devido ao número espantoso de pedidos de repatriação. Brasileiros que residiam, trabalhavam ou estavam de passagem por 107 países do globo, assustados com a velocidade que a doença se espalhava, passaram a solicitar, às pressas, a volta para o território brasileiro.

De acordo com o oficial de chancelaria e presidente do Sinditamaraty, João Marcelo Melo, a situação que o Itamaraty enfrentou no início da pandemia só se comparava com situações de guerra. “Nunca se viu 100 pessoas chegando juntas ao posto pedindo repatriação, como foi no início da pandemia. Isso só acontece quando explode uma guerra no país. Do dia para a noite, a gente teve algo como 45, 50 mil e-mails para requisitar a repatriação. Era, em média, mil contatos por dia. E teve gente que não usou o formulário, foi direto ao consulado”, falou.

“Era necessário ter muita sobriedade, alteridade e calma para lidar com o desespero de familiares das pessoas que estavam sem poder voltar para o Brasil por conta de cancelamento de voos. Em muitas situações, brasileiros estavam em cidades que não tinham uma representação brasileira. O desespero dessas pessoas aumentava, porque se encontravam impedidas de viajar, com voo cancelado, sozinhas e com poucos recursos, ante a incerteza de quanto tempo ficaria nessa situação de isolamento. Havia certa frustração por parte de quem atendia, quando se tornava inviável oferecer uma solução a curto prazo para situações mais complicadas, que envolviam a saúde do brasileiro atendido”, desabafou o vice-presidente do Sinditamaraty, Jansen Martins.

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Chegada dos brasileiros repatriados de Wuhan, na China, em Anápolis (GO), no início do ano passado

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A repatriação

Segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE), a repatriação é basicamente a volta do brasileiro ao território nacional, sob responsabilidade do Brasil. “Consiste no custeio, pelo governo brasileiro, de passagens de retorno ao Brasil para cidadãos que desejam retornar definitivamente, podendo ser concedida apenas uma vez. Para receber o benefício, cidadãos brasileiros devem comprovar seu real estado de desvalimento, por meio de obtenção, junto à Defensoria Pública da União, de declaração de hipossuficiência.”

Por sua vez, a hipossuficiência consiste, em outras palavras, na justiça gratuita. Diz respeito à falta de recursos financeiros para pagar os custos de uma relação comercial, processual ou trabalhista. No caso da repatriação, a hipossuficiência é a falta de recursos, por parte do repatriado, para arcar com a volta ao Brasil.

Responsável pela verificação e autorização do termo de hipossuficiência e, por fim, a repatriação, a Advocacia-Geral da União (AGU), em um ato de solidariedade no início da crise da Covid-19, deferiu, em conjunto com o MRE, todas as solicitações feitas.

“Vale observar que há muitos cidadãos brasileiros em situação irregular no exterior e com frágil situação financeira, o que sobrecarregou o setor de assistência consular dos postos, já que os pedidos de apoio para abrigo e alimentação se multiplicaram”, destacou a oficial de chancelaria Flávia Marsiglia, sobre um fator que agravou a crise durante a Covid-19.

*Com informações do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (SINDITAMARATY).

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