Renan manobra para atrasar resposta a investigadores da Lava Jato
Presidente do Senado exige que questionamentos de investigadores sejam enviados com a assinatura do ministro da Justiça. Entrave burocrático tem incomodado a força-tarefa da Lava Jato
atualizado
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O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é conhecido como uma das raposas políticas mais astutas e talentosas da Casa. Com temperamento oposto ao de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Renan segue a cartilha do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Em tempos de excitação ou desespero, o maranhense repetia: “Temperança”. E é justamente essa temperança, somada a um conjunto de assessores com conhecimento jurídico profundo, que garantem a Renan a expertise em despistar-se das mais variadas investigações às quais vem sendo submetido ao longo da carreira.
No posto mais alto do Senado, o alagoano lança mão de prerrogativas cujo entendimento não é unânime para atrasar o trabalho dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Ao ser confrontado por questionamentos ligados à investigação, as respostas, elaboradas pela advocacia do senador, determinam que os pedidos não sejam encaminhados pelos delegados da Polícia Federal, mas pelo ministro da Justiça.Além disso, é cobrado um documento chamado “minuta de aviso”, a ser encaminhado ao Senado Federal com assinatura conjunta do ministro e do diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, alongando o caminho e o tempo da investigação. Na prática, os trâmites burocráticos dificultam a evolução das apurações.
“Sabemos que se trata de uma estratégia para debelar as investigações, uma tentativa de não ter de explicar pontos da história”, disse um investigador, sob condição de anonimato.
A advocacia do Senado se baseia no Parecer n° 702/2011 da Consultoria Jurídica (Conjur) do Ministério da Justiça, que orienta esse caminho para que, na teoria, seja mantida a “harmonia” entre os Poderes Executivo e Legislativo. Investigadores da Lava Jato, sobretudo da Polícia Federal, se queixam que esse processo tira a celeridade da investigação. Outro problema é que expõe dados internos do processo a uma série de assessores, que teriam acesso à tal minuta solicitada pelos advogados até que ela chegue nas mãos do ministro e retorne ao Senado. Dessa forma, avaliam os investigadores, aumenta a possibilidade de vazamento de informações sigilosas contidas no processo.
Questionamentos
Até 2013, essa interpretação estava resguardada pelo parecer jurídico da Conjur. Entretanto, membros da força-tarefa da Lava Jato acreditam que, a partir da edição da Lei n° 12.830/2013 — que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia —, o contexto é outro.
No texto, é dito que cabe ao delegado a requisição de informações sobre investigações que interessem à apuração dos fatos. Dessa forma, o argumento é que a Polícia Federal teria plena autonomia para requisitar informações, não havendo impedimentos para isso. Entretanto, a divergência nas interpretações ainda não foi judicializada para saber qual entendimento deve prevalecer.
A assessoria de Renan foi acionada para comentar o assunto. Primeiramente, foi procurado o gabinete, mas as ligações não foram retornadas. A assessoria pessoal do senador foi contactada na sequência, mas disse que a demanda deveria ser enviada para a presidência do Senado. A assessoria da presidência recebeu as demandas, mas não se pronunciou sobre o assunto até a última atualização desta reportagem.
Inquéritos
Terceiro homem na linha sucessória da Presidência da República — atrás apenas do vice-presidente e do presidente da Câmara dos Deputados —, o peemedebista responde a pelo menos oito inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), boa parte ligada à corrupção no âmbito da Operação Lava Jato, que já se estendem há mais de um ano.
Em outros momentos, ele também foi alvo de inquéritos, mas nenhum foi capaz de derrubá-lo politicamente ou mesmo fragilizá-lo perante a própria base eleitoral. Tanto que, em 2014, elegeu seu primogênito, Renan Filho (PMDB), governador de Alagoas.
Autoridade
Recentemente, o presidente do Senado foi envolvido em outra polêmica interpretada como um possível esforço dele para atrasar as investigações da operação que tem chacoalhado a República.
No começo de julho, Renan protocolou um projeto de lei que altera a legislação sobre o crime de abuso de autoridade. A proposta é fruto de um anteprojeto de 2009, e o presidente do Senado, sem consultar os líderes partidários, determinou que seria prioritária na pauta.
Com o projeto aprovado, eventuais exageros de autoridades que comandam investigações poderiam ser punidos, isso incluiria a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal, entre outros órgãos.
Após a polêmica em torno do tema, Renan disse que havia “mais malícia que notícia” na cobertura do assunto. A medida — que chegou a provocar um intenso bate-boca entre Renan e o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) no último dia 12 — ainda não foi votada.
O projeto foi desengavetado depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a prisão de Renan, de Sarney e do senador Romero Jucá (PMDB-RR), sob a alegação de que o trio estaria atrapalhando as investigações da Lava Jato. O pedido foi indeferido pelo Supremo.