Papa Francisco rejeita ordenação de homens casados na Amazônia
Medida foi discutida entre bispos, durante o Sínodo da Amazônia, em 2019, como forma de aumentar a presença católica na região
atualizado
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No documento Querida Amazônia, divulgado na manhã desta quarta-feira (12/02/2020), o papa Francisco recua da proposta de que, em casos específicos e de acordo com a necessidade, homens casados sejam ordenados padres em comunidades afastadas da região amazônica. A proposta foi discutida pelos bispos durante o Sínodo da Amazônia, realizado em outubro, no Vaticano.
O papa rejeitou a medida mesmo após a recomendação positiva de bispos. A “exceção amazônica” do celibato foi levantada por bispos em razão das “enormes dificuldades de acesso à eucaristia”, visto que parte das comunidades da região fica meses e até vários anos sem a presença de um sacerdote. Para diminuir o problema, foi pedido ao papa que autorizasse a ordenação de sacerdotes sem exigência do celibato clerical.
A medida, frisaram os bispos favoráveis, seria aplicada a “homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiteriado”. Outra exigência é que esses homens tivessem “uma família legitimamente constituída e estável”.
A estratégia foi criticada veementemente por bispos conservadores. O papa Francisco foi atacado por posições contrárias de representantes dos mais variados níveis dentro da Igreja Católica, todos opostos à ideia de “tirar do sacerdócio aquilo que o torna mais especial”. O cardeal canadense Marc Ouellet publicou um livro inteiro defendendo o celibato clerical e enviou dois exemplares da obra diretamente ao papa.
Até Bento XVI, seu antecessor, que havia prometido manter-se afastado da vida pública quando renunciou ao cargo, entrou na conversa coassinando a autoria de um livro que também defende o celibato – e depois pediu para que seu nome fosse retirado da obra. “A habilidade de renunciar ao casamento para se posicionar completamente à disposição do Senhor tem se tornado um critério para o ministério sacerdotal”, escreveu Bento XVI.
Apesar da tradição, a regra que prevê o celibato entre padres não é um dogma da Igreja Católica, o que significa que ela pode ser alterada ou revogada, em tese. Um dos últimos momentos de revisão do celibato foi em 2009, quando Bento XVI permitiu que padres anglicanos casados fossem convertidos ao catolicismo. Na ocasião, ele deixou claro que a medida não significava uma mudança abrangente na postura da Igreja. Em 2019, durante coletiva de imprensa, o próprio Francisco se posicionou sobre o tema. “Diria que não concordo com o celibato opcional”, afirmou, classificando a prática como um “presente para a Igreja”.
Na chamada exortação apostólica do Sínodo dos Bispos, o pontífice caracteriza como “desigual” a presença de padres na área, reforça a importância de preservação do meio ambiente e pede aos bispos da América Latina para “promoverem a oração” por mais vocações e aos missionários para irem à Amazônia.
“Exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males que a afligem”, afirma o papa, no texto redigido em espanhol e finalizado no dia 2 de fevereiro. O documento está disponível no link do Sínodo da Amazônia.
O texto está elaborado em quatro capítulos descritos como “sonhos” do pontífice: Social, em defesa dos mais pobres e povos nativos; Cultural, sobre a preservação da riqueza dos povos; Ecológico, sobre o resguardo da beleza natural; e Eclesial, dirigido às comunidades cristãs, para dar à Igreja “rostos novos com traços amazônicos”.
Internacionalização da Amazônia
No documento, o papa Francisco também fala sobre a chamada “internacionalização” da Amazônia. Diz que a medida não é a solução para cuidar do bioma. O pontífice cobra, ao falar sobre a preservação do meio ambiente, que os governos não se vendam a “espúrios interesses” locais ou internacionais.
“Além dos interesses econômicos de empresários e políticos locais, existem também os enormes interesses econômicos internacionais. Por isso, a solução não está numa internacionalização da Amazônia, mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave”, escreveu o papa, para em seguida defender a presença e o trabalho desenvolvidos por Organizações Não-Governamentais (ONGs) – entidades que são constantemente criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Pela mesma razão, é louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais”, diz o texto.
A proposta da “internacionalização” era de grande preocupação do governo Jair Bolsonaro, em especial dos militares, que viam no Sínodo uma tentativa de fragilizar a soberania nacional sobre a porção brasileira do território amazônico. O quadro levou a um choque entre o governo Bolsonaro e o Vaticano, após o Estado revelar que o encontro episcopal era alvo de monitoramento pelos serviços de inteligência.
A exortação final, espécie de orientação do papa após todas as discussões do Sínodo, era aguardada com atenção por militares e diplomatas brasileiros que mantiveram diálogo com o Vaticano para tentar garantir uma palavra em defesa da soberania no documento final.
O tema ganhou mais relevância quando, com a Amazônia em chamas, o presidente francês, Emmanuel Macron, propôs uma discussão sobre um “status internacional” para a floresta.
Sem fazer menção específica a nenhum país ou governante, o pontífice se opõe ao avanço da exploração econômica em terras indígenas e reservas florestais e, de forma taxativa, afirma que são “injustiça e crime”.
“Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime”, escreveu Francisco.
Como funciona um Sínodo?
Durante os Sínodos, “o papa ouve mais do que fala”, explicou o bispo dom Odilo P. Scherer, em artigo escrito para o Estado. O evento, na verdade, serve para que o Vaticano possa ouvir a opinião dos fiéis sobre assuntos específicos, por meio de questionários conduzidos pelos 250 bispos participantes, e tomar decisões a partir desses consensos.
Em 2014 e 2015, o Sínodo teve como tema “Os desafios pastorais no contexto da evangelização”, e abordou temas como divórcio, contracepção e a união entre casais homoafetivos na Igreja. Em 2018, os cardeais discutiram “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” e no ano passado, em outubro, “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.
Participaram do encontro em 2019 bispos e líderes religiosos, além de indígenas e convidados especiais, dos nove países amazônicos – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa –, e outros da Cúria Romana. O papa ressalta, porém, que a exortação apostólica se dirige ao mundo todo.
O objetivo de um Sínodo é discutir como a Igreja Católica pode intervir em determinados conflitos, assim como adequar suas diretrizes em lugares onde haja dificuldade de converter novos fiéis e disseminar os ideais católicos.
A palavra “sínodo” vem de duas palavras gregas: “syn”, que significa “juntos”, e “hodos’, que significa “estrada ou caminho’. O Sínodo tem caráter consultivo. Ao término, o papa emite um documento chamado Exortação apostólica, no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões. O Sínodo da Amazônia foi o quarto do pontificado de Francisco.