Arcebispo militar orienta capelães a deixarem Campanha da Fraternidade
Mensagem foi direcionada ao presidente da CNBB. Tradicional iniciativa virou alvo de religiosos mais conservadores nas redes sociais
atualizado
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Ao justificar que a Quaresma não é tempo “para dialogar sobre temas polêmicos e contrários à autêntica doutrina” da Igreja Católica, o arcebispo ordinário da Arquidiocese Militar do Brasil, dom Fernando Guimarães, orientou os capelães a recusarem a participação na Campanha da Fraternidade 2021.
A decisão foi comunicada em carta enviada ao presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo. O documento, datado de 8 de fevereiro de 2021, circula em grupos católicos. A ala mais conservadora da igreja têm se posicionado contra a campanha.
“O diálogo inter-religioso é necessário e oportuno somente quando, no respeito às diversas expressão de fé, é realizado em sedes competentes. A evangelização dos fiéis, no entanto, em qualquer tempo e ainda mais em um tempo especial como é a quaresma católica, não é espaço para se dialogar sobre temas polémicos e contrário à autêntica doutrina de nossa Igreja”, escreveu dom Fernando Guimarães.
“Por este motivo, comunico-lhe que no Ordinário Militar do Brasil, durante a quaresma deste ano, seguiremos apenas as orientações teológico-litúrgicas próprias do tempo quaresmal e não serão utilizados quaisquer dos materiais produzidos oficialmente para a Campanha da Fraternidade deste ano”, prosseguiu.
Leia a íntegra da carta:
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O Metrópoles ligou, nesta quarta-feira (17/2) – início da Campanha da Fraternidade 2021 no Brasil e do tempo quaresmal –, para o arcebispo ordinário da Arquidiocese Militar do Brasil. Após a reportagem se identificar, o religioso disse não ter notícias, nem entrevistas para conceder.
“Trata-se de uma correspondência pessoal minha para a presidência da Conferência [Nacional dos Bispos do Brasil]. Não fui eu que vazei e não tenho declaração. Obrigado”, sintetizou dom Fernando Guimarães, ao encerrar a ligação.
Polêmica
Com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, a tradicional iniciativa que pede doações de fiéis para financiar projetos sociais apoiados pela Igreja Católica virou alvo de religiosos mais conservadores nas redes sociais.
Um dos motivos dos ataques é a busca da inclusão, nesse diálogo, das minorias e a violência direcionada a esses grupos.
Como mostrou o Metrópoles, os ataques nas redes são ferozes e acusam líderes religiosos de terem aderido a “pautas abortistas e anticristãs”. Esses grupos tentam incentivar os cristãos a não doar nenhum dinheiro para a Campanha da Fraternidade.
A revolta se dá principalmente em relação ao parágrafo do documento da Campanha da Fraternidade 2021 que faz a seguinte afirmação: “Outro grupo que sofre as consequências da política estruturada e da criação de inimigos é a população LGBTQI+”.
O texto traz dados do Atlas da Violência e da ONG Grupo Gay da Bahia para denunciar que 420 pessoas desse grupo foram assassinadas em 2018, e argumenta que “esses homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”.
Para os religiosos mais extremistas, sobra militância e falta religião no documento.
Um dos principais alvos, a pastora luterana Romi Bencke contou, ao Metrópoles, que mudou sua rotina por temer que o extremismo das redes possa resultar em consequências físicas. “Não tenho vocação para mártir”, disse a religiosa.
“A gente precisa refletir sobre a responsabilidade de quem propaga esses discursos. Os vídeos desse Centro Dom Bosco [canal ultraconservador no YouTube] têm sido muito assistidos. E eles fomentam a violência”, relatou.
“Então, a partir do momento em que fazem o discurso que eles estão divulgando, numa cruzada santa em que o mal tem de ser eliminado, é claro que alguém que realmente acredita que está numa cruzada santa vai achar que fará uma grande contribuição para a obra de Deus se eliminar o mal”, avaliou Romi Bencke.