Reforma na Esplanada: seis ministros trocados – e contando
Mais ampla mexida no gabinete desde a posse de Bolsonaro pode ser aprofundada. Comandantes das Forças Armadas estudam renúncia conjunta
atualizado
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A mais ampla mudança na Esplanada dos Ministérios desde a posse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em janeiro de 2019, com três demissões de ministros e seis trocas no comando das pastas, sacudiu o governo na última segunda-feira (29/3). A reforma ministerial veio em um momento de agravamento da pandemia de coronavírus, de pressão intensa de parlamentares do Centrão por mais espaço e de queda de popularidade do mandatário do país. As alterações no coração do poder, contudo, podem ser aprofundadas nesta terça-feira (30/3).
Depois da demissão surpreendente do ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva, os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha chegaram a se reunir na noite de segunda. Em pauta, análise da situação e a hipótese – tida como remota, mas não descartada – de eventual renúncia conjunta, o que carrega o risco de transformar a tentativa de Bolsonaro de reacomodação de forças em uma crise mais severa. Embora não sejam ministros, e sim subordinados ao titular da Defesa, esses gestores têm enorme importância simbólica.
Ainda durante a noite, ficou definido que qualquer decisão só seria tomada nesta terça, após nova reunião dos comandantes das três Forças – do Exército, general Edson Pujol; da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Antonio Bermudez; e da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior – com o novo ministro da Defesa, general Braga Netto, que deixou a Casa Civil. O encontro deve ocorrer às 8h30.
A possibilidade mais concreta é de que apenas Pujol saia. A exemplo de Azevedo e Silva, o general vem resistindo às tentativas de Bolsonaro de colocar, politicamente, os militares a serviço direto do presidente. A insistência do comandante do Exército de não subscrever hipóteses como a tese de decretação de um eventual estado de sítio no país teria desgastado a relação entre Pujol e o chefe do Executivo nacional ao ponto de não retorno.
Na nota em que se despediu do comando da Defesa, Azevedo e Silva agradeceu a Bolsonaro pelo período de pouco mais de dois anos à frente da pasta, mas deixou um recado:
“Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”.
A frase foi interpretada como sinal de que Azevedo e Silva vinha resistindo a uma tentativa de politização das Forças Armadas. Na semana passada, uma frase de Bolsonaro sobre o lockdown decretado em vários estados foi mal recebida entre parte expressiva dos militares.
“Jamais adotaria o lockdown no Brasil. E digo mais, o meu Exército não vai pra rua pra cumprir decreto de governadores. Se o povo começar a sair, entrar na desobediência civil e começar a sair de casa, não adianta pedir pro meu Exército. Não vai, nem por ordem do papa”, afirmou o presidente.
O pronome possessivo “meu” foi avaliado como uma tentativa de grudar uma instituição de Estado ao governo da vez.
O que mudou
Além do Ministério da Defesa, as pastas atingidas na reforma foram: o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça, a Secretaria de Governo da Presidência, Casa Civil e Advocacia-Geral da União (AGU).
No Itamaraty, no lugar de Ernesto Araújo, assume o comando Carlos Alberto Franco França. Na Justiça, sai André Mendonça, de volta à AGU, e entra Anderson Torres, que era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
A Secretaria de Governo terá a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) no lugar de Luiz Eduardo Ramos – que vai para a Casa Civil, em substituição a Braga Netto.
Deixam o governo Araújo, Azevedo e Silva e José Levi, agora ex-advogado-geral da União. Os demais foram apenas remanejados para outras pastas.
Confira as mudanças e os nomes:
Ministério da Defesa
Sai: Fernando Azevedo e Silva
Entra: Walter Braga Netto
Casa Civil
Sai: Walter Braga Netto
Entra: Luiz Eduardo Ramos
Secretaria de Governo da Presidência
Sai: Luiz Eduardo Ramos
Entra: Flávia Arruda, deputada federal
Advocacia-Geral da União
Sai: José Levi Mello
Entra: André Luiz Mendonça
Ministério da Justiça
Sai: André Luiz Mendonça
Entra: Anderson Gustavo Torres, delegado da Polícia Federal
Ministério das Relações Exteriores
Sai: Ernesto Araújo
Entra: embaixador Carlos Alberto Franco França
– Alteramos a titularidade de seis ministérios nesta segunda-feira (29). As seguintes nomeações serão publicadas no…
Publicado por Jair Messias Bolsonaro em Segunda-feira, 29 de março de 2021
Surpresa?
Apesar de ter sido considerada uma reforma “surpresa”, a dança das cadeiras já estava prevista pelo chefe do Executivo federal. Bolsonaro aproveitou o pedido de demissão do chanceler Ernesto Araújo para reorganizar o primeiro escalão.
No início da tarde de segunda (29/3), o chanceler pediu para deixar o cargo, após ser duramente criticado pelos embates diplomáticos com a China, e pela incapacidade de conseguir desfecho mais rápido nas negociações de vacinas com alguns países, como Índia e Estados Unidos.
O que inviabilizou a permanência de Araújo, tido em alta conta por Bolsonaro, foram os embates com parlamentares. Desde a semana passada, o chanceler vinha sendo duramente atacado pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), eleitos com apoio explícito do mandatário do país.
Pacheco e Lira queriam distanciar-se do que viam como inépcia no comando do Itamaraty. Encurralado pela pressão, Araújo selou seu destino no domingo (28/3), quando, nas redes sociais, atacou a senadora Kátia Abreu (PP-TO). No Twitter, afirmou que, durante encontro recente com a senadora, Kátia Abreu teria optou por falar mais sobre as negociações em torno do 5G do que a respeito das dificuldades para a importação dos insumos necessários à produção das vacinas contra Covid-19 no Brasil.
Segundo o diplomata, a parlamentar teria dado a entender que ele seria o “rei do Senado” ao fazer “um gesto em relação ao 5G”.
A senadora, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, reagiu duramente – e logo angariou solidariedade dos colegas congressistas.
“É uma violência resumir três horas de um encontro institucional a um tuíte que falta com a verdade. Em um encontro institucional, todo o conteúdo é público”, disse Kátia Abreu.