Recorde: Amazônia e Pantanal atingiram o extremo da seca em 2024
Entre 1º de setembro de 2023 e o final de outubro de 2024, o monitoramento da Bacia do Rio Amazonas constatou 85 mínimas históricas
atualizado
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O ano de 2024 deixou um alerta sobre os extremos e as consequências da seca na Amazônia e no Pantanal. Os rios atingiram os menores níveis da série histórica, conforme medições feitas pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Os índices desbancaram anos anteriores que já haviam sido preocupantes, elevando a sensação de piora e desequilíbrio a cada nova temporada.
Em um período de pouco mais de um ano, entre 1º de setembro de 2023 e o final de outubro de 2024, o monitoramento dos técnicos do SGB, na Bacia do Rio Amazonas, constatou 85 mínimas históricas, ou seja, os menores níveis atingidos desde o início das medições. Em alguns pontos, como no Rio Negro, em Manaus (AM), esse trabalho é feito desde 1902 – há 122 anos, portanto.
O mesmo ocorreu no Pantanal. Em Ladário (MS), por onde passa o Rio Paraguai e fica uma das estações de monitoramento mais antigas do país, de 1900, o nível das águas bateu recorde negativo em 2024, chegando a -69 cm. Anteriormente, a marca histórica havia sido registrada em 1964, com -61 cm.
Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o Brasil enfrentou em 2024 a maior seca, em extensão e intensidade, dos últimos 70 anos. Em setembro, 4.748 cidades do Brasil – mais de 80% do total de municípios do país – enfrentavam algum grau de seca, sendo que 1.349 encontravam-se em níveis severos e extremos.
Recuperação
O atraso e a demora da estação chuvosa influenciaram diretamente na capacidade de recuperação dos rios. Até hoje, apesar da retomada das chuvas em pontos do centro-norte do país, a Bacia do Rio Amazonas ainda apresenta uma classificação de seca extrema, conforme o SGB. Já a Bacia do Rio Paraguai (Pantanal) consegue se restabelecer com mais facilidade.
Essa diferença está relacionada ao perfil dos rios e à composição territorial das duas bacias. Em entrevista ao Metrópoles, no auge da seca, o coordenador do Sistema de Alerta Hidrológico do SGB e engenheiro hidrólogo Artur Matos já havia previsto a maior dificuldade de recuperação da região amazônica, por ter rios extensos, volumosos e com uma ramificação mais complexa.
Da mesma forma que o nível da água tende a diminuir mais rapidamente, nesse contexto – em Manaus, o Rio Negro chegou a reduzir 26 cm por dia -, ele também demora mais tempo para subir, com a retomada das precipitações. E para piorar o quadro, cidades do norte do país chegaram a ficar mais de um ano sem chuvas. Só no estado do Amazonas, conforme boletim de setembro do Cemaden, foram:
- Barcelos: 16 meses;
- Santa Isabel do Rio Negro: 16 meses;
- Codajás: 15 meses;
- Maraã: 15 meses;
- Guajará: 14 meses;
- Fonte Boa: 15 meses;
- Uarini: 15 meses;
- Ipixuna: 14 meses.
Nos demais estados da Amazônia Legal, como Roraima, Pará, Acre, Mato Grosso e Rondônia, também tiveram casos semelhantes. Em Eldorado do Carajás (PA), por exemplo, a seca também atingiu os 16 meses.
Recordes negativos em todas as estações
O somatório desses fatores contribuiu para os recordes negativos na maioria das estações de medição do nível dos rios, em 2024. O 50º boletim hidrológico do ano, referente à Bacia do Rio Amazonas, divulgado no dia 3 de dezembro, mostra que todos os pontos monitorados registraram os menores índices da série histórica este ano.
O Rio Solimões chegou a -29 cm na estação da comunidade de Itapéua (AM), a menor marca em 53 anos. O recorde anterior havia sido de 131 cm, em 2010. Em Tabatinga (AM), a medição do mesmo rio atingiu -254 cm, em 2024, também a menor desde o início da série histórica, em 1983. O índice mais baixo obtido na região, até então, havia sido de -86 cm, em 2010.
O Rio Amazonas superou em 2024 os recordes negativos de 2023, ano de seca mais severa até então. Em Itacoatiara (AM), chegou a -18 cm, este ano, ante os 36 cm mínimos do ano passado. Em Parintins, onde a medição é feita desde 1974 (50 anos), a régua do SGB registrou -265 cm, sendo que em 2023, havia sido -217 cm. O mesmo ocorreu em Óbidos (AM), com -121 cm em 2024, contra -93 cm do recorde anterior.
No Pantanal, este ano, além da situação em Ladário (MS), os maiores índices negativos da série histórica foram registrados, também, em Barra do Bugres (MT) e Porto Murtinho (MS). Na primeira cidade, o Rio Paraguai chegou a 22 cm em 2024 – o menor nível, até então, havia sido de 28 cm em 1967. Na segunda, o índice atingiu 53 cm, contra 73 cm de 1971.
Prognóstico da seca
Baseado nos anos mais críticos da série histórica, o SGB trabalha com um prognóstico de recuperação dos rios da Amazônia até a segunda quinzena de dezembro, pelo menos. O mesmo vale para o Rio Paraguai, em Ladário, onde é provável que o nível da água se mantenha abaixo de 100 cm até o final do ano.
Em nota técnica divulgada no final de novembro, o Cemaden ressaltou que os efeitos da seca são cumulativos e podem perdurar por longos períodos. “A recuperação das áreas afetadas depende da intensidade, extensão e frequência do evento, podendo levar meses ou anos”, e o Brasil, especialmente áreas sensíveis como Amazônia e Pantanal, vem emendando uma seca na outra, nos últimos anos.
Os dados do Cemaden apontam que, desde a década de 1990, os períodos de estiagem no Brasil tornaram-se mais intensos e frequentes. Os três picos negativos do monitoramento, ao longo da história, ocorreram entre 1997 e 1998; entre 2015 e 2016; e, agora, entre 2023 e 2024. Em termos de extensão, no entanto, o vivenciado neste ano superou todos os demais.
Os números apontam que quase 5 milhões de km² do território nacional enfrentaram longos períodos de estiagem em 2024. Isso corresponde a 59% de toda a área do país. A segunda maior abrangência foi em 2015-2016, quando 4,6 milhões de km² foram atingidos – aproximadamente 54% do país. O quadro indica, portanto, a piora de um ciclo para outro.