Receio de “revogaço” após posse de Lula provoca corrida armamentista
Tem gente correndo para se abastecer com armas e munições por temor de mudança na lei armamentista com Lula
atualizado
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A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições provocou apreensão em atiradores e donos de clubes de tiros, com a promessa da revogação dos decretos de Jair Bolsonaro (PL) que facilitaram a compra de armas de fogo no país.
Cotado para ser ministro da Justiça, o senador eleito Flávio Dino (PSB) disse ao Metrópoles que, além do fim dos decretos pró-armas, a eventual derrubada das normas deverá implicar a retirada de circulação dos armamentos que passarão a ser ilegais. Dino sugeriu que o novo governo pode oferecer algum “crédito tributário” para quem devolver um revólver, uma pistola ou carabina.
A reportagem conversou com integrantes do mercado de armas que relataram uma corrida por armamentos e munições, já que a nova legislação deve limitar a quantidade que cada atirador pode comprar.
Hoje em dia, por exemplo, um Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) tem autorização para ter 60 armas, sendo 30 de calibre permitido e 30 de calibre restrito. Com a queda dos decretos, o número total seria de no máximo 16, dependendo do nível de experiência do CAC.
No governo Bolsonaro, CACs podem andar com armas de cano curto caso estejam a caminho de clubes de tiro. Com a derrubada da legislação bolsonarista, esse chamado “porte em trânsito” teria fim.
O número de brasileiros com registro de CAC aumentou 472,6% nos últimos quatro anos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A quantidade de registros de clubes de tiros saltou de 163, em 2018, para 348, em 2021, um aumento de 113%, como mostrou a coluna do Rodrigo Rangel em reportagem de setembro.
Venda simplificada
“Virou uma corrida armamentista louca agora. O povo está estocando munição, enchendo o paiol”, relata Leder Pinheiro, dono de um estande de tiro em Goiânia (GO).
Em aplicativos de mensagem, há um fluxo de vendedores informais. A venda é feita de CAC para CAC. Nesse tipo de transação, o pagamento é realizado por Pix e a arma é transferida no prazo de 15 dias. O tempo para comprar um armamento novo é mais demorado.
“Está todo mundo correndo atrás – quem já tem CR (permissão) – para comprar arma direto de CAC. Se comprar arma do zero, eu creio que não dá mais tempo”, diz um morador do Distrito Federal ouvido pela reportagem, que tentava vender uma pistola 9 mm pelo WhatsApp.
O empresário Weber Melo, que é atirador desportivo na categoria tiro de precisão, também disse ter percebido essa corrida. “A população sentiu-se ameaçada de ter cerceado o direito à compra de uma arma de fogo”, explica.
Sergio Bitencourt, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Defensivo e Caça (IDCS), declarou que os armamentistas estão apreensivos com a mudança de governo. “Tem gente que está comprando mais munição para ter estoque. Tem outros que falam: ‘não vou comprar nada enquanto não tiver definição’.”
Pontos mais doídos
A proibição de andar armado, o chamado “porte em trânsito”, é um dos pontos mais “doídos” para os armamentistas, segundo o youtuber pró-armas Tony Santtana explicou em um de seus vídeos.
“Dói muito, a pancada é grande.” Disse o influencer em vídeo da semana passada.
Potência
O outro ponto “doído”, segundo Santtana, é a volta da proibição de alguns tipos de armas, que têm maior poder de fogo, como pistolas e carabinas 9 mm, .40SW e .357. A compra de fuzis por CACs já havia sido suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro.
“Bolsonaro aumentou a potência dessas armas permitidas em até quatro vezes”, explicou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e autor do livro Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência.
Sobre o “porte em trânsito”, Langeani defendeu que isso deve afetar de forma positiva a segurança da população, com a volta da proibição clara de ter pessoas andando armadas na rua, o que afeta brigas de trânsito e entre vizinhos, por exemplo.
“Muita gente que se diz CAC, na verdade, só se colocou esse rótulo de atirador esportivo pela vontade de andar armado. Não é a pessoa que de fato quer fazer um lazer no clube de tiro e quer competir. É uma distorção do sistema”, definiu Langeani.
Negociação
O youtuber armamentista Santtana disse que está tentando se reunir com um dos deputados que participa da transição do governo. O objetivo é salvar parte dos decretos pró-armas de Bolsonaro.
Santtana defende, por exemplo, que se mantenha “pelo menos a 9 mm”. A pistola G2C da Taurus (9 mm) se espalhou pelo mercado, segundo o armamentista.
Armas continuam
Essa proibição de alguns calibres mais potentes valeria apenas para quem tem permissão de posse de arma concedida pela Polícia Federal (PF). Antes de Bolsonaro, a legislação já possibilitava que CACs adquirissem armas de calibres restritos, que têm a permissão concedida pelo Exército.
“As pessoas compravam armas antes do governo Bolsonaro existir”, lembrou Bruno Langeani. O número de registros de armas para Colecionadores, Atiradores e Caçadores, por exemplo, já vinha crescendo no governo petista e de Michel Temer.
E há mudanças que os próprios armamentistas não se preocupam tanto. Um exemplo é a quantidade total de armas que pode ser comprada por cada CAC, que, com o fim dos decretos, passaria de 60 para no máximo 16, como era a regra antes de Bolsonaro. A esmagadora maioria das pessoas que compram armas adquirem apenas uma, segundo Langeani.
“Quem está se beneficiando mais fortemente é o crime organizado. São eles que têm dinheiro para comprar todo esse limite [de armas] e depois desviar”, resumiu o gerente do Sou da Paz.