Raspagem e marca falsa: como 43 mil armas foram vendidas para PCC e CV
Polícia Federal descobriu esquema de tráfico de arma envolvendo empresas de fachada, lavagem de dinheiro e empresário argentino no Paraguai
atualizado
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Armas de fogo poderosas eram compradas do leste europeu por uma empresa sediada no Paraguai – que raspava a numeração e mascarava a marca – para vendê-las no mercado ilegal. Os compradores eram as principais facções criminosas do Brasil: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
Um grupo criminoso teria entregado 43 mil armas a essas facções, em transações que movimentaram cerca de R$ 1,2 bilhão em três anos. O esquema foi revelado por uma investigação conjunta entre a Polícia Federal (PF) da Bahia e autoridades do Paraguai.
A operação policial deflagrada nesta terça-feira (5/12) tinha como principal alvo o empresário argentino Diego Hernan Dirisio, dono de uma empresa no Paraguai que importava armas de países como a Croácia e a República Tcheca. Até agora, 19 pessoas foram presas.
O superintendente da PF na Bahia, Flávio Albergaria, contou que a investigação começou em 2020, quando houve a apreensão de 23 pistolas e dois fuzis. Além da numeração raspada, foi efetuada uma alteração na logomarca do fabricante.
“Mediante perícia técnica, conseguimos identificar o número de série (mesmo raspado) e fizemos o rastreio das armas”, explicou em coletiva no Palácio da Justiça, em Brasília, ao lado do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e integrantes das polícias brasileira e paraguaia.
Veja o vídeo da operação:
Com a identificação das armas apreendidas, os investigadores chegaram à empresa fabricante na Croácia e descobriram quem era o importador: o empresário argentino Diego Hernan Dirisio.
Esquema de camadas
O delegado Diego Cordilho, responsável pelo inquérito, disse que foram identificadas várias camadas da organização criminosa, desde a compra na Europa até a chegada aos criminosos das duas principais facções brasileiras.
Esse esquema começava na empresa paraguaia, que revendia para dois intermediários na fronteira com o Brasil. Também havia o núcleo de vendedores e de logística, para as armas serem transportadas pelas rodovias brasileiras.
Além disso, havia uma área financeira e de doleiros (negociadores de dólar no mercado paralelo), para lavar o dinheiro recebido pelo tráfico. Empresas de fachada, que não tiveram seus nomes divulgados, foram abertas em Miami para conseguir declarar o dinheiro do tráfico de drogas.
43 mil armas
Segundo as investigações, a importadora de armas no Paraguai comprou cerca de 43 mil armas nos últimos três anos. A suspeita é que a maioria delas tenham como destino o crime organizado.
O ministro da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai, Jalil Rachid, explicou que não faz sentido essa quantidade de armas apenas para o mercado paraguaio, que não exige tal demanda.
Durante a coletiva, o ministro Flávio Dino chamou a atenção para a falta de organização do credenciamento de armas no Paraguai, o que teria facilitado o esquema criminoso. Uma imagem do arquivo do órgão paraguaio que realiza controle de importações de arma dá uma dimensão do problema. A foto mostra prateleiras com arquivos claramente desorganizados.
Sem tiros
Flávio Dino aproveitou a operação para defender ações mais inteligentes no combate ao tráfico de drogas, sem “dar tiros a esmo” em operações em que brasileiros são mortos por balas perdidas.
“Aqui não houve o disparo de um único tiro. Então, não houve bala perdida. Isso é combater o crime organizado de verdade”, afirmou Dino.