Quilombolas relatam escassez de alimentos na pandemia e apelam ao STF
A peça jurídica aborda diversas supostas violações aos direitos dos quilombolas, como a falta de assistência médica e a soberania alimentar
atualizado
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Com a falta de opções para escoamento da produção e problemas no acesso às políticas públicas voltadas à agricultura familiar, muitos quilombolas têm sofrido com a escassez de alimentos na pandemia. De acordo com eles, os principais motivos são a falta de renda motivada por vetos de verbas às comunidades e as baixas perspectivas de comercialização de suas produções no campo.
Em busca de resoluções, organizações de direitos humanos, grupos de advogados e entidades da sociedade civil se reuniram para entrar com um pedido que atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A peça jurídica aborda diversas supostas violações aos direitos dos quilombolas, entre elas, a falta de assistência médica, o acesso a materiais preventivos contra a Covid-19 e a falta de soberania alimentar. “A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) se mostrou como único instrumento apto a provocar o Poder Judiciário para impedir que os direitos fundamentais quilombolas sigam sendo violados”, afirma a advogada popular da organização Terra de Direitos, Maira Moreira.
Há expectativa das comunidades quilombolas de todo o Brasil sobre essa ADPF, “pois as situações concretas de precariedade e falta de acesso a insumos básicos de proteção dessas comunidades se repetem nas 5.972 localidades quilombolas identificadas pelo IBGE, indicando a necessidade de um Plano Nacional de enfrentamento da pandemia nas comunidades quilombolas”, destaca a advogada.
IBGE
Para embasar o pedido junto ao STF, foram utilizados dados do último censo do IBGE, driblando a escassez de dados específicos sobre a população quilombola no país. Foram necessários dois meses para o levantamento de dados de comunidades pelas entidades da sociedade civil.
“Tivemos que levantar argumentos sobre a falta de dados oficiais numa jornada de intensas discussões. Trabalhamos rapidamente na construção e conclusão da peça em menos de um mês, o que resultou em um trabalho coletivo de sucesso”, avalia a advogada.
Entre os juristas consultados para a elaboração da peça estão nomes como Daniel Sarmento, doutor em direito constitucional; Carlos Marés, especialista em defesa dos povos indígenas e Deborah Duprat, reconhecida publicamente pela defesa dos direitos humanos. “Tivemos um longo processo de escuta, conversando com juristas experientes. Esses especialistas nos ajudaram no aprimoramento de nosso pedido”, destaca Biko Rodrigues, da Conaq.
“Os quilombolas já tinham pouco acesso às políticas públicas. Após a pandemia, o cenário ficou ainda mais devastador. Os projetos de lei com temas da agricultura familiar foram vetados pelo presidente e isso acaba afetando a soberania alimentar e a renda das pessoas destes territórios”, complementa Biko.
A falta de regularização de territórios também figura entre os gargalos enfrentados pelas comunidades. “Muitos não conseguem acessar recursos para produção devido a não regularização do território, pois não possuem título definitivo. Não existe política pública específica que garanta o escoamento das produções agrícolas. Grande parte dos quilombolas produz para subsistência e comercializa os ingredientes excedentes”, esclarece Vercilene Dias, advogada popular da organização Terra de Direitos.
O que diz o Ministério dos Direitos Humanos
O Ministério dos Direitos Humanos se manifestou por meio de nota. Confira o texto da pasta na íntegra:
“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), por meio da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), está atuando diretamente no atendimento das comunidades quilombolas em situação de extrema vulnerabilidade em razão da pandemia de Covid-19.
Cumpre destacar que o MMFDH, em articulação com o Ministério da Economia, conseguiu a liberação de recursos financeiros para a celebração de um Termo de Execução Descentralizada-TED com a CONAB, para aquisição de 343.412 cestas de alimentos, o que contempla cerca de 171.283 famílias de comunidades tradicionais.
Além disso, o Governo Federal lançou em junho um plano de contingência com R$ 4,7 bilhões destinados a povos e comunidades tradicionais durante a pandemia do novo coronavírus. A ação é uma resposta do Governo Federal para os riscos à saúde e os desdobramentos socioeconômicos para as populações mais vulneráveis.
O plano de contingência abrange o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 por três meses para 1,8 milhão de famílias de povos e comunidades tradicionais inscritos no programa Bolsa Família. No total, mais de 235 mil quilombolas foram beneficiados até o momento”.