Quem são os voluntários em combate ao fogo no Parque do Juquery
Brigadistas e veterinários largaram tudo para tentar minimizar a tragédia ambiental em São Paulo, que destruiu vegetação e vitimou animais
atualizado
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São Paulo – No fim da tarde de terça-feira (24/8), poucas horas após o Corpo de Bombeiros ter declarado extinto o incêndio no Parque Estadual do Juquery, na Grande São Paulo, o pátio em frente à sede administrativa estava cheio de brigadistas com as roupas ainda pretas de fuligem, em raro momento de descanso desde o início da tragédia, no domingo (22/8), causada pela queda de um balão.
Cada um que vinha do combate às chamas deixava apoiado em uma parede seu abafador – instrumento formado por tiras de pneu amarradas a cabos de madeira, usado para apagar o fogo – e logo se dirigia ao recinto onde havia frutas e dois freezers cheios de garrafas d’água. “Tudo aqui é doação e a maioria é formada por voluntários”, diz Vladimir Arraes, coordenador da ação Corta-Fogo, da Fundação Florestal, que chefiou o trabalho dos brigadistas.
Na equipe, ele apontou para Jaqueline Vieira Coutinho, 31 anos, a única mulher da equipe presente naquele momento. “Essa daqui é guerreira”, disse o chefe. Ela conta que se preparava para aproveitar o domingo em uma roda de samba em Itaquera, bairro na zona leste de São Paulo, onde mora, quando o grupo de brigadistas no WhatsApp avisou sobre o incêndio no Juquery. “Saí correndo”, conta Jaqueline, que voltou para sua residência somente na noite de terça-feira, quando as chamas já estavam controladas.
Frequentadora do parque e brigadista voluntária, ela conta que passou oito horas seguidas no combate às chamas. “Só parei porque me tiraram de lá. Nesse momento nada importa, até xixi fiz na roupa”, conta. A ação repetitiva de bater com o abafador no solo em chamas é exaustiva, por isso, os colaboradores se revezam na função.
“Subi no mirante, vi tudo queimado e a sensação foi a mesma de ter perdido um parente próximo”, desabafa Jaqueline, que deixou os três filhos aos cuidados da mãe e mudou a escala no trabalho em um hospital público para poder se dedicar à urgência. O rastro de destruição se estendeu até o litoral paulista, onde a nuvem de fumaça chegou após passar por uma série de bairros na Grande São Paulo.
A vegetação queimada transformou a área ambiental em um tapete de fuligem preta com os galhos secos e retorcidos do que sobrou da flora original. De acordo com a direção, 43% da área ambiental foi destruída.
Dois dias após iniciado o incêndio, o cheiro de queimado ainda estava no ar e as pick-ups da PM Ambiental não paravam de percorrer a mata carbonizada em busca de animais à espera de resgate.
Na busca pelos animais
Uma vez controlado o incêndio, entraram em cena os veterinários voluntários que se deslocaram até o parque para socorrer os animais sobreviventes. Oito deles foram resgatados, mas apenas quatro sobreviveram.
Uma sala na sede do local acabou transformada em hospital de campanha veterinário, onde os sobreviventes – um tatu, um ouriço e dois calangos – foram tratados. “O tatu geralmente é difícil de capturar por ser um animal ágil, mas ele estava apático, desidratado e com hipotermia quando foi visto”, conta a veterinária Luciana Guimarães, uma dos cerca de 15 voluntários que se revezaram no atendimento de urgência aos animais.
Para cuidar dos calangos, Luciana os colocou imersos em uma camada de soro fisiológico dentro de potes usados para armazenar sorvete. Habituada em atuar no socorro a bichos durante tragédias como a que destruiu boa parte do Parque do Juquery, Luciana conta que ajudou a socorrê-los também em Brumadinho (MG), após o rompimento da barragem em 2019.
Uma mesa virou farmácia improvisada, com medicamentos doados. Em outro canto da sala, um papel onde se lia “necrópsia” era reservado ao exame dos bichos que chegavam carbonizados, caso de uma jararaca e um camundongo do mato.
Do lado de fora, uma ambulância veterinária estava estacionada para atender animais que precisassem de transferência imediata. “Para vir com esse veículo de São Paulo, são quase R$ 200 de combustível e tudo sai do nosso bolso”, diz o veterinário Edson Akagi, que deixou sua clínica em Guarulhos para ajudar no resgate.
Na quarta-feira (25/8), a moradora de um condomínio vizinho ao parque avistou um ouriço em seu quintal. O animal, provavelmente, se dirigiu ao perímetro urbano para fugir do fogo e ir em busca de água e alimento.
“Ele chegou muito estressado”, explicou a veterinária Luciana. “Nossa preocupação é com a rodovia, muitos podem fazer o mesmo trajeto e não terem a mesma sorte”, diz a profissional, que instalou armadilhas monitoradas nas áreas próximas, na tentativa de encontrar mais espécies silvestres em fuga.
Queda de balão
A equipe da comandante da 1ª Companhia do 1º Batalhão de Polícia Militar Ambiental, capitã Paola Mele, seguiu buscando mais sobreviventes de quatro patas. A oficial conta que o parque tinha acabado de abrir no domingo quando ela foi informada do incêndio. “Aos finais de semana, intensificamos o policiamento justamente por causa da soltura de balões. Aqui é uma região de risco porque as correntes de vento trazem os balões de Guarulhos e entorno”, diz.
No dia da tragédia, ela foi até o parque e se assustou com as condições climáticas propícias para o alastramento do fogo: temperatura alta, baixa umidade e ventos fortes. “É muito triste, lutamos tanto pela preservação do meio ambiente e a simples queda de um balão causa essa destruição toda.”
O balão que causou o incêndio na última área remanescente do cerrado em São Paulo caiu e ficou preso na copa de um eucalipto. Segundo o gestor do endereço, Adriano Candeias de Almeida, as chamas se alastraram rapidamente devido também às condições da vegetação, bem seca por ter sofrido uma geada severa semanas antes, quando a cidade registrou recorde de frio.
A Polícia Civil ainda investiga o caso. Uma pessoa foi autuada pelo crime ambiental, pagou fiança de R$ 3 mil e foi liberada.