Punições por abusos na Força Nacional despencam 65,6% no governo Bolsonaro
Presidente criticou publicamente a criação de serviço de denúncia contra abuso policial pelas tropas federais. Em seu governo, apuração caiu
atualizado
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Em uma de suas transmissões pelas redes sociais, em 3 de outubro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou retirar a cidade de Cariacica (ES) de um programa federal de combate ao crime porque a prefeitura local havia aberto um canal para denúncias de abuso por agentes da Força Nacional de Segurança que atuam por lá. “Se começarem a denunciar policiais, a gente troca de município”, disse Bolsonaro.
Essa militância contra a apuração da conduta de agentes de segurança se reflete nas estatísticas de investigações e punições dentro da tropa federal, que caíram muito fortemente no primeiro ano do governo Bolsonaro em comparação a 2017 e 2018, segundo dados oficiais.
Quando cometem desvios, crimes ou descumprem regras militares, os agentes da Força Nacional estão sujeitos à investigação interna que, com base em provas, pode resultar em expulsão da tropa e devolução ao estado de origem, com a perda de ganhos a mais nos salários que podem chegar a R$ 6 mil por mês. O processo também é enviado para as autoridades para possíveis investigações militares, civis ou criminais.
Em 2017, 246 investigações foram feitas e 56 agentes foram “desmobilizados”, que é a punição máxima desse tipo de procedimento. Em 2018, último ano da administração de Michel Temer, foram 218 investigações e 32 expulsões. No ano passado, primeiro do governo Bolsonaro, houve 85 procedimentos (queda de 61% em relação ao ano imediatamente anterior) e 11 desmobilizações (redução de 65,6% das punições).
É o menor número tanto de investigações quanto de desmobilizações desde 2015, segundo dados obtidos pelo Metrópoles por meio de um pedido via Lei de Acesso à Informação.
A tropa federal de elite atua em situações de emergência na segurança, quando as forças estaduais não dão conta, como em greves das polícias estaduais. Uma das condições para policiais ingressarem nela é a ausência de condenações em processos internos por má conduta.
O que eles fazem de errado?
Os agentes da Força Nacional podem enfrentar processos por condutas irregulares dentro ou fora do serviço.
Bolsonaro atacou o disque-denúncia contra os agentes da Força Nacional em Cariacica no início de outubro de 2019. “Não podemos expor os nossos agentes de segurança a serem submetidos ao disque-denúncia, que, na maioria das vezes, é mentira. São os bons policiais que são denunciados”, disse o presidente.
Semanas depois, no mesmo mês, três soldados da tropa federal agrediram um rapaz em uma casa noturna da Grande Vitória até deixá-lo desacordado. Um deles sacou a arma paga com dinheiro público para um segurança que tentou acabar com a confusão.
Há casos como a acusação de tortura por presas de Ananindeua, no Pará, que, em setembro de 2019, relataram abusos como vistoria de mulheres seminuas por agentes do sexo masculino e agressões físicas.
Ou a prisão de dois homens da Força Nacional por policiais federais em Naviraí (MS) em maio deste ano, por furto de uma carga contrabandeada de celulares, videogames e perfumes.
Um exemplo de crime fora de serviço aconteceu no mesmo mês, em Goiás, onde um agente da Força Nacional foi preso após atirar contra a cabeça da namorada com a arma que usava em serviço. Ele foi autuado por feminicídio.
Visão da especialista
A queda na responsabilização de agentes de segurança é reflexo da visão bolsonarista de governo, na opinião da advogada Isabel Figueiredo, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ela pondera que os números de processos em 2017 e 2018 foram relativamente mais altos porque houve uma política, na época do governo de Michel Temer (MDB), de aceitar militares da reserva das Forças Armadas na Força Nacional, o que fez com que o nível de excelência fosse afetado.
“Ainda assim, uma queda tão brusca nos procedimentos não se justifica a priori, porque não há notícia de redução nas operações ou de efetivo”, avalia ela, lembrando que são números mais baixos de investigações agora do que em 2016 e 2015.
A especialista afirma ainda que, mesmo quando pune mais, a Força Nacional é ineficiente em alcançar as condutas ilegais. “O vínculo desses agentes com o governo federal é muito tênue, a punição é difícil na maioria das vezes, é uma dificuldade histórica na gestão da Força Nacional”, diz ela.
Sob a gestão de Sergio Moro na Justiça e Segurança Pública, a atuação da Força Nacional foi ampliada para presídios e para o programa Em Frente Brasil, que levou ajuda federal a cidades com altos índices de violência em todas as regiões do país, como Cariacica, que quase foi punida por tentar registrar denúncias de abuso.
Quantidade e forma
Além de investigar menos, desde 2019, a Força Nacional de Segurança só tem realizado uma versão diferente da investigação, as Averiguações Preliminares. Até 2018, eram instaurados Procedimento Apuratórios de Condutas, os PACs.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que os PACs foram revogados em 2018, substituídos pelas Averiguações Preliminares. “Após a revogação do PAC e diante a instituição da Averiguação Preliminar – AP, muitas condutas materializadas de plano foram tratadas por intermédio deste procedimento ou por despachos fundamentados”, diz o texto enviado ao Metrópoles.
Sem detalhar os números, a pasta alegou ainda que “o percentual de desmobilização não teve diminuição, na realidade houve um aumento no número em relação ao quantitativo do efetivo mobilizado no período, ou seja, a porcentagem de desmobilização no ano de 2018 foi de 2,6%, e em 2019 foi de 2,9%.”
Veja a íntegra dos dados repassados também pelo próprio MJSP, mas via Lei de Acesso à Informação, sobre as investigações e punições entre 2015 e 2020. Em 2016 é quando há o menor número de investigações (88) e desmobilizações (18), tirando 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.