Professora que vai virar filme tem diploma falso de Harvard
Conhecida por ter saído da pobreza e chegado à universidade mais conceituada do mundo, Joana D´Arc tem várias inconsistências no currículo
atualizado
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Conhecida por uma história de superação que deve virar filme, a professora de ensino técnico Joana D’Arc Félix de Sousa, de 55 anos, declara uma formação na Universidade Harvard que ela não possui e usou um diploma falso na tentativa de confirmar a informação. Joana também repetidamente dizia em entrevistas e palestras que entrou na faculdade aos 14 anos, o que ela agora reconhece não ser verdade. São informações do Estadão.
A professora ganhou notoriedade por ser de família pobre, nascida em um curtume no interior de São Paulo, e chegar a um pós-doutorado em uma das mais conceituadas universidades do mundo. Nos últimos anos, recebeu dezenas de prêmios e, no mês passado, a Globo Filmes divulgou a preparação de um filme sobre a sua biografia, que teria a atriz Taís Araujo como protagonista.
O Estadão entrevistou Joana pela primeira vez no fim de 2017. Na oportunidade, ela afirmou ter morado por dois anos em Cambridge, onde fica Harvard, e voltou ao Brasil após a morte do pai.
A reportagem pediu documentos que demonstrassem o trabalho que havia sido feito nos Estados Unidos. Ela enviou um diploma, datado de 1999, com o brasão de Harvard, o nome dela e titulação de “Postdoctoral in Organic Chemistry”. O Estadão mandou o documento para Harvard, que, ao analisá-lo, informou que não emite diploma para pós-doutorado. Também alertou sobre um erro de grafia (estava escrito “oof”, em vez de “of”).
Há, ainda, duas assinaturas no diploma: uma delas é do professor emérito de Química em Harvard Richard Hadley Holm. Procurado, ele respondeu por e-mail: “O certificado é falso. Essa não é a minha assinatura, eu não era o chefe de departamento naquela época. Eu nunca ouvi falar da professora Sousa”.
A informação do pós-doutorado em Harvard consta no currículo de Joana na plataforma Lattes, o sistema oficial que reúne informações de pesquisadores de todo o País. O preenchimento é feito pelo próprio profissional.
Para realizar a suposta pesquisa nos Estados Unidos, o currículo informa que ela recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação (MEC). A Capes, no entanto, afirmou que o nome de Joana não consta em nenhum registro de bolsista.
Já em sua ficha cadastral como professora do Centro Paula Souza, autarquia do governo que administra as escolas técnicas, o pós doutoramento não é citado. Joana fez concurso público e trabalha como professora de Química na Escola Técnica Professor Carmelino Corrêa Júnior em Franca, desde 1999. Segundo seu currículo Lattes, ela teria acabado de sair de Harvard (1997-1999).
Encenação de teatro
O Estadão entrevistou Joana novamente esta semana. Só depois de ser questionada sobre o diploma que enviou à reportagem, ela disse que o documento foi feito para uma “encenação de teatro”. “Mas eu não concluí (o pós-doutorado), eu não tenho certificado”, afirmou. “As meninas mandaram junto quando o jornalista me pediu documentos. Eu pensei: tenho que contar isso para o jornalista, mas não falei mais com ele”, disse.
Ao contrário da primeira entrevista, ela também informou que não trabalhou no laboratório da universidade nem morou na cidade de Cambridge. “Não fiquei o tempo físico lá, conversei com orientador. Participei até de um congresso em Boston”, conta. Segundo ela, a pesquisa foi desenvolvida no Brasil. “Coloquei isso no Lattes, não sei se está certo ou errado”, afirmou.
O Estadão não conseguiu confirmar qualquer passagem de Joana por Harvard. A pedido da reportagem, dois ex-alunos procuraram o nome dela em um sistema fechado apenas para quem estudou na instituição e não encontraram, mesmo tentando com diferentes grafias. A professora também disse que não lembrava se havia recebido uma bolsa da Capes, como informa seu currículo.
Segundo cientistas, em um pós-doutorado, o pesquisador é convidado para fazer parte de um programa pré-estabelecido de um profissional que está no topo na carreira em uma universidade, no Brasil ou no exterior. O pós doutorando faz suas pesquisa no ambiente de trabalho desse outro professor, que atua como um supervisor.
História de vida
Ao fim da pesquisa, em geral, é publicado um artigo sobre a pesquisa. Também é obrigatório enviar relatórios periódicos ao órgão financiador da bolsa de pesquisa para prestar contas. A comunicação ou colaboração com pesquisadores de fora, em hipótese alguma, podem ser consideradas um pós-doutorado.
Joana, de fato, cursou graduação, mestrado e doutorado na área de Química na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Suas pesquisas envolvem produção de couro ecológico e a reprodução de pele humana artificial para transplante. A maior parte de prêmios, palestras ou entrevistas, entretanto, focam na história de vida da professora.