Processos contra juízes travam na esfera criminal
Entidades do setor negam a existência de corporativismo e afirmam que a demora se deve ao excesso de ações em análises do Judiciário
atualizado
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De 146 casos analisados desde 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por fiscalizar a atuação do Poder Judiciário, um total de 58 magistrados foram punidos com aposentadoria compulsória – pena máxima nessa esfera administrativa. Desse número, porém, só dois foram condenados até agora em ações criminais no âmbito da Justiça. O CNJ investigou, por exemplo, uso do cargo para vantagem pessoal, venda de sentenças e desvio de recursos públicos.
O levantamento foi feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com base nos dados do CNJ e de Ministérios Públicos estaduais. Dos casos envolvendo os 58 magistrados, em cinco a reportagem não obteve resposta sobre o andamento dos processos. Nos sistemas dos tribunais também não há registro – seja porque a ação corre em sigilo ou por não ter relação direta com a punição determinada pelo CNJ. Dos 53 magistrados restantes, 29 ainda respondem a ações na Justiça, enquanto outros três já foram absolvidos.
Fica a cargo do MP federal ou estadual oferecer denúncia em casos que configuram crime. Há situações onde a tramitação já dura mais de quatro anos – como a denúncia contra os ex-presidentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte Rafael Godeiro Sobrinho e Osvaldo Soares Cruz, investigados por desvio no pagamento de precatórios.
As entidades do setor negam a existência de corporativismo e afirmam que a demora se deve, em grande parte, ao excesso de ações em análise nas primeiras instâncias do Judiciário.
“Se há caso específico (de corporativismo), essa pessoa que protege magistrado tem de ser punida”, afirma o presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Paulo César Neves. O criminalista Fabrício de Oliveira Campos, atuante na defesa de juízes, diz que investigações em ação penal são mais rigorosas em comparação com âmbito administrativo, o que justificaria a demora.
Favreto
A conduta do desembargador Rogério Favreto, que estava de plantão na semana passada no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e mandou soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (condenado e preso na Lava Jato), reacendeu o debate sobre a punição de juízes. Ao aceitar habeas corpus em favor de Lula, Favreto abriu uma disputa jurídica com a duração de mais de dez horas, só terminando depois da intervenção do presidente da Corte, Carlos Eduardo Thompson Flores.
O corregedor do CNJ, ministro João Otávio de Noronha, abriu procedimento para apurar a conduta de Favreto. Foram oito representações contra o desembargador. Também será investigada a conduta do juiz federal Sérgio Moro. Em outra frente, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ao Superior Tribunal de Justiça pedido de inquérito judicial contra Favreto, pelo crime de prevaricação. Ela entende que o magistrado agiu fora da sua competência ao dar o HC.
“Existem situações (de infrações cometidas no âmbito administrativo) que eles querem resolver. Com isso, acabam usando da autoproteção para não desmoralizar o Poder Judiciário, mas alguns casos se tornam públicos. Em acusações mais graves, os magistrados que julgam seus pares não conseguem essa “proteção”, então eles seguram o processo” diz o criminalista Adib Abdouni.
Na última sessão do CNJ do primeiro semestre, em 26 de junho, a ministra Cármen Lúcia destacou o número de julgamentos de processos disciplinares desde setembro de 2016, quando assumiu o cargo. “Já julgamos um número de processos superior à quantidade julgada nas últimas três gestões do conselho. Não significa nenhuma situação especial, apenas uma dinâmica diferenciada porque em outras gestões tivemos de implantar, por exemplo, as audiências de custódia, o que não tivemos de fazer agora”, disse ela. Procurada para falar sobre o levantamento feito pelo jornal, a ministra não se manifestou.
Aposentadoria cassada
Ex-titular da 2ª Vara do Trabalho de Belém (PA), o juiz federal Suenon Ferreira de Sousa Júnior foi condenado em fevereiro deste ano pela 1ª Vara Federal por improbidade administrativa.
Ele está é um dos dois casos de condenação judicial após ter sido aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça, em maio de 2009, por tráfico de influência, abuso de autoridade, atrasos nas decisões de sentenças, solicitação de empréstimo a advogados e retenção indevida de guias de retiradas de honorários.
Antes de chegar ao CNJ, o processo ficou por quatro anos no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, passou duas vezes pelo Tribunal Superior do Trabalho e uma pelo Supremo Tribunal Federal. No TRT-8, 14 dos 22 juízes se declararam suspeitos de julgá-lo. O caso foi requisitado pela Corregedoria Nacional de Justiça para análise e julgamento.
Na sua sentença, o juiz Henrique Jorge Dantas da Cruz, da 1ª Vara Federal de Belém, acabou cassando a aposentadoria concedida pelo CNJ. Além disso, determinou a suspensão dos direitos políticos de Suenon por quatro anos, o pagamento de multa e a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais por três anos. A defesa de Suenon foi procurada, mas não se manifestou até a publicação desta matéria.