Presos no Jacarezinho relatam abuso policial: obrigados a levar corpos
Um dos detidos disse que um policial ameaçou esfregar o rosto dele “nas tripas” de um dos mortos
atualizado
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Rio de Janeiro – Um dos seis presos na operação mais letal da história do Rio, realizada pela Polícia Civil do estado no dia 6 de maio, no Jacarezinho, na zona norte da cidade, denunciou que sofreu abuso policial e contou à Justiça detalhes sobre a ação, como os momentos em que teria sido obrigado a ajudar a transportar corpos para dentro do blindado da corporação (caveirão).
Ao todo, 28 pessoas morreram na ação, uma delas, o policial civil André Frias.
“Ele botou a gente pra descer num beco assim, tinha vários corpos assim no beco. E ele falou: ‘bora’, você vai ser obrigado a levar esses corpos aqui. […] Já comecei a chorar e ele: ‘Chora, não’. Querendo pegar minha cara e tacar assim na tripa do moleque que estava para fora”, relatou o preso.
Ele seguiu com o relato,, denunciando o abuso que teria sofrido:
“Eu falei: eu não vou levar esse daí, não. Aí ele começou a me bater, falando que eu era obrigado a levar. Eu falei: não vou levar não, não vou levar não, não vou meter a mão nisso daí, não. Aí ele: bora, mete a mão logo. Começou a me dar várias porradas para meter a mão. Mais de dez corpos ele fez isso comigo”, afirmou.
O relato corrobora a tese de que os feridos foram retirados mortos para os hospitais, desfazendo as cenas de crimes e contrariando determinação expressa do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em vídeos das audiências de custódia, laudos de corpo de delito e outros documentos referentes às prisões no Jacarezinho reproduzidos pelo jornal Folha de S.Paulo, os detidos relatam ter sofrido chutes, socos e outros tipos de tortura por agentes, denúncias também feitas à Defensoria Pública.
Veja vídeo divulgado pelo jornal:
https://tv.uol/191wp
Negros e jovens
Os detidos na ação são negros, na maioria, têm entre 21 e 33 anos, e não terão as identidades reveladas por segurança. Todos foram presos em flagrante ou por força de mandados de prisão temporária expedidos pela Justiça. Nos relatos, eles contam ainda sobre agressões e ameaças feitas pelos policiais.
“Eles pisavam na cara falando que não era para olhar para a cara deles”, diz um dos homens após ser questionado pelo juiz se lembrava do rosto dos policiais que supostamente o agrediram. “Era mais de uns 10, 15, toda hora sobem dois, três e dão chute na cara”, afirma.
Segundo os presos, as agressões não foram relatadas durante o exame de corpo de delito, uma vez que policiais que estavam na operação permaneceram durante todo o tempo na sala de exame no Instituto Médico-Legal (IML), que é subordinado à Polícia Civil.
“O custodiado relatou ter sido agredido por um policial civil da Core [Coordenadoria de Recursos Especiais] que efetuou sua prisão com uma joelhada no rosto e um chute no peito, o que foi presenciado por outros quatro policiais civis. Relatou também que foi submetido a tortura psicológica e que os abusos dos policiais foram presenciados por seus familiares”, informa o trecho de um documento.
Impactante
Segundo a defensora pública Mariana Castro, coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia que participou das sessões, “foram relatos de uma das maiores violações de direitos que já vi na minha carreira”. “As narrativas foram de muito sangue, muitos mortos pelo chão, carregar corpos eviscerados, além das agressões psicológicas e físicas. Foi bastante impactante”, afirmou ela no dia das audiências.
Procurada pelo Metrópoles, a Polícia Civil do Rio não se manifestou sobre as acusações de torturas pelos presos. Os presos que participaram das audiências e relataram os abusos, no entanto, seguem presos, uma vez que os juízes entendem que as denúncias de agressões por agentes do Estado não tornaram as detenções ilegais.
Novos exames de corpo de delito foram realizados em alguns dos detidos, a pedido da Defensoria. Os relatos e dados informados nas audiências de custódia foram enviados ao Ministério Público e à corregedoria da Polícia Civil.
A Delegacia de Homicídios apura as mortes na comunidade. Desde o dia 25 a Polícia Civil impôs sigilo de cinco anos a todas as informações relacionadas às operações policiais realizadas no último ano, incluindo a ação na Jacarezinho.