Prefeito em Goiás é investigado por esquema para furar fila da vacina
Naçoitan Leite (PSDB), de Iporá, é alvo de apuração do Ministério Público de Goiás por suposto desvio de vacinas para familiares. Ele nega
atualizado
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Goiânia – O prefeito de Iporá, a 226 quilômetros de Goiânia, Naçoitan Araújo Leite (PSDB), é investigado pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) em um inquérito que apura suposto esquema de desvio de vacinas contra a Covid-19 no município. A informação é que ao menos três familiares do tucano teriam furado a fila de vacina sem que os nomes deles constassem em lista oficial inicialmente divulgada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) no Portal da Transparência. Ele nega as suspeitas.
O governador Ronaldo Caiado (DEM) disse a autoridades locais para buscarem provas e não se intimidarem. Além de Iporá, o Ministério Público investiga ao menos mais 14 municípios goianos por supostos casos de fura-fila ou desrespeito aos planos estadual e nacional de vacinação.
Em Iporá, vídeo obtido pelo Metrópoles mostra carro oficial da SMS saindo da casa de familiares do prefeito Naçoitan, no centro da cidade, dirigido por motorista da prefeitura, na última sexta-feira (29/1). Moradores que não quiseram se identificar dizem que o veículo serviu para levar uma enfermeira do município até o imóvel.
Ao Metrópoles, o prefeito disse nesta terça-feira (2/2) que a profissional foi ao local para atender ao pai dele, Dormevil Leite, de 90 anos, por causa de complicações que apresentou após tomar a vacina pneumo 23 dois dias antes. Um dia antes, no entanto, ele havia concedido entrevista à rádio local e afirmou que o pai dele “tomou a vacina [contra a Covid], e mais ninguém”.
Moradores afirmaram que viram o exato momento em que a coordenadora da Atenção Básica de saúde do município, Paula Millena, desceu do carro com uma caixa térmica, suspostamente com vacinas dentro. Eles também disseram que, logo em seguida, ficaram revoltados com o suposto esquema de desvio de vacinas e buscaram ajuda de vereadores, que acionaram a Polícia Militar.
Os promotores de Justiça Margarida Bittencourt da Silva Liones e Luís Gustavo Soares Alves investigam o suposto esquema.
Após perceber aglomeração de populares na rua e a chegada de parlamentares e policiais ao local, o motorista da SMS foi embora, como mostra outro vídeo, deixando a enfermeira na casa, onde o prefeito também estava, acompanhando tudo de perto. “Quando a gente estava conversando com os policiais na rua, o motorista da Secretaria de Saúde saiu de dentro da casa, deixou a enfermeira, pegou o carro sozinho e foi embora”, alega a vereadora Heb Keller (Republicanos).
Depois de o motorista sair, segundo moradores, Naçoitan foi até a calçada e chamou os policiais para entrarem no quintal da casa. Um policial se dirigiu até a uma mesa na área onde antes os presentes estavam assinando papéis e, ao sair, disse a testemunhas que não viu movimentação de caixas de vacinas, “só se eles esconderam muito rápido quando a gente chegou”.
Confusão
Minutos depois, uma confusão começou na sede da SMS, após o vereador Moisés Magalhães (Republicanos) chegar ao órgão para perguntar à secretária municipal de Saúde de Iporá, Daniela Salum, onde estava a enfermeira Paula naquele exato momento. Em vídeo, uma assessora da pasta aparece dizendo que a enfermeira “está nas unidades de saúde”, apesar de que, naquele momento, a profissional estava no imóvel de familiares do prefeito em horário de serviço.
Ao saber que a secretária de Saúde estava sendo questionada, o prefeito e sua equipe se dirigiram até o órgão. Um vídeo mostra o momento em que o fotógrafo da prefeitura aparece visivelmente alterado e avança no equipamento que estava gravando a situação. Em outro momento, as imagens mostram o prefeito xingando de “bosta” o parlamentar, que, por repetidas vezes, disse que estava cumprindo seu papel de fiscalizar.
Em entrevista ao Metrópoles, o prefeito disse que o seu irmão Adailton Antônio Leite é médico e tomou a vacina na SMS – apenas o nome dele está em nova lista divulgada pelo órgão. O tucano afirmou ainda que a sobrinha dele, identificada como Mariela Leite e que também é médica, tomou a vacina em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde ela trabalha.
Além disso, acrescentou, o seu pai, Dormevil Leite, de 90 anos, que mora na casa do episódio, tomou apenas a vacina pneumo 23 no dia 27 de janeiro. “E mais ninguém”, afirma.
“Meu pai tomou essa da secretaria nessa casa, e a Paula aplicou. Só que depois essa vacina começou a dar uma reação, e ela foi chamada para ir lá analisar o caso dele”, afirmou Naçoitan.
Segundo o prefeito, o episódio foi uma arbitrariedade. “Vou registrar boletim de ocorrência contra esses vereadores que ficam seguindo a gente, filmando aonde vou, andando atrás de mim com câmeras. Decerto, até no motel vão continuar me filmando”, disse. Ele afirmou, ainda, que não sabia o que tinha na caixa térmica, levada pela enfermeira.
O prefeito também falou da proximidade da enfermeira com a família dele. “A Paula tem apelido de Paula Leite [seu sobrenome], praticamente faz parte da família. Ela é prima-primeira do meu sobrinho, que é secretário de Finanças”, disse, para continuar: “Ela é muito ligada à nossa família há muitos anos, há 15, há 20 anos. Então, é uma pessoa da nossa casa. Se entrou [com vacina contra Covid], se não entrou, isso não é comigo. Agora, o que quero é respeito. Meu nome não vai ficar na lama.”
Nesta terça-feira (2/1), Naçoitan, sua esposa e a secretária de Saúde fizeram, em laboratório particular, exame de sorologia de IGG, que detecta anticorpos para Covid-19. Segundo o prefeito, o resultado dos exames vai comprovar que eles não furaram a fila de vacinação nem tomaram a vacina contra a Covid-19.
A secretária de Saúde admitiu que o órgão publicou lista de vacinados com dados inconsistentes. Havia nomes duplicados. “A gente pediu para retirar [do site] e parece que foi adulterada essa lista”, afirmou. Segundo ela, a lista está sendo atualizada, para ser encaminhada à Câmara de Vereadores, à Delegacia de Polícia, ao Ministério Público e ao sistema de informações do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde. Iporá recebeu 1.085 doses e aplicou todas elas.
Outros casos
Além de Iporá, os demais 14 casos de supostos fura-filas investigados pelo Ministério Público são em Mineiros, Crixás, Catalão, Senador Canedo, Goiânia, Nerópolis, Guapó, Caçu, Jussara, Aparecida de Goiânia, Goiatuba, Santa Rita do Araguaia, Iporá e Leopoldo de Bulhões.
O MP instaurou, de ofício, dois procedimentos, um em Pires do Rio, que resultou na celebração de um acordo de não persecução penal com pagamento de R$ 50 mil para o combate à Covid-19; e outro em Santa Helena de Goiás.
Em janeiro, o então secretário de Saúde de Pires do Rio, no sudeste goiano, Assis Silva Filho, foi afastado por 60 dias do cargo, após a Justiça acatar pedido de promotores. De acordo com o órgão, a medida foi solicitada à Justiça para que ele não atrapalhe investigações em andamento sobre o fato de ele ter cedido uma dose da Coronavac à própria esposa, mesmo sem ela fazer parte dos grupos prioritários do PNI da Covid-19.