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Rio de Janeiro – Um ano depois da declaração oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) de pandemia por conta do novo coronavírus, a assistente social Thamires da Silva Netto se depara, todos os dias, no quintal de casa, com as marcas da devastação provocada pela Covid-19 na própria família. A jovem de 29 anos perdeu seis familiares para a doença, cinco deles num período de menos de dois meses. Todos moravam no mesmo endereço, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
“Eu saio de casa para trabalhar e vejo a casa da minha irmã, Tatiane, de 34 anos, bem em frente. Depois, passo pela casa da minha mãe, Rosalita, de 60 anos, e dos meus tios. É muito doloroso”, conta Thamires, que também foi contaminada. “Foram tantas perdas que meu corpo se recusou a cair. Eu precisava ficar de pé pra cuidar de quem ficou”, conta.
A assistente social, que hoje mora com o marido, o filho Thomaz, de 1 ano e seis meses, e com o pai, Jorge, de 65, todos sobreviventes após testarem positivo para a Covid-19, segue a vida com a ajuda de terapia e acompanhamento psicológico.
“Eu vivo meu luto, sofrendo diariamente quando chego ou saio de casa. O tempo todo. Olho para as plantas da minha mãe, que ela adorava cuidar, com as plaquinhas de motivação (“A felicidade mora aqui” ou “Aqui só tem alegria”), e é difícil não chorar e me manter de pé”, avalia a jovem, que não sai de casa sem máscaras e sem os vidrinhos de álcool em gel.
Thamires conta que perdeu a avó paterna em abril do ano passado, menos de 24 horas depois do atendimento médico feito em casa, por equipes do Samu. “Com a morte dela, achei que tivesse cumprido a minha cota. Pensei que depois isso, a contribuição da minha família já teria sido dada. Mas me enganei”, explica, com os olhos marejados.
Chegou outubro e as perdas de Thamires continuaram. A assistente social perdeu uma tia materna e o marido da tia, a mãe, uma irmã e um tio paterno.
“Não sei até hoje o que fizemos para merecer tanta tristeza. E nós moramos em casas separadas, mas no mesmo quintal. Então, dou de cara com lembrança e com a saudade todos os dias, a todo momento. Saudade é uma doença que não tem cura”.
Em meio ao luto e a necessidade de seguir em frente, a jovem faz um alerta: “A pandemia ainda não acabou. Fico revoltada quando vejo alguém sem máscara. Não custa seguir as regras, cumprir os protocolos que são simples e ajudam a salvar vidas”, alertou.
Memorial In-Finito
Thamires, assim como outros parentes de vítimas do novo coronavírus, frequenta o grupo de apoio ao enlutado A Vida Não Para, mantido pelo Crematório e Cemitério da Penitência, no bairro do Caju, na zona portuária do Rio de Janeiro, onde está instalado o primeiro memorial em homenagem às vítimas da Covid-19 no Brasil. É lá que está o Memorial In-Finito, em homenagem às vítimas, com a inclusão dos nomes daqueles que perderam a batalha para a doença.
O monumento batizado de In-Finito tem quase três toneladas e foi instalado no Cemitério da Penitência em setembro do ano passado. A escultura possui 39 metros lineares em aço oxidado e está em uma área verde de 1,3 mil m2, que foi revitalizada para receber a obra, na entrada do cemitério vertical do empreendimento. Até o momento, 70 famílias já deixaram as suas impressões na obra.