Povos indígenas são o grupo prioritário com mais atraso na vacinação
Região amazônica, onde vivem 60% dos indígenas brasileiros, é onde menos chega vacina para essas populações
atualizado
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Como ainda não há vacinas contra a Covid-19 para todos, o governo elaborou uma lista de grupos prioritários para serem imunizados, formado por principalmente por profissionais da saúde, idosos e indígenas aldeados. Apesar de serem uma das populações menos numerosas nessa lista, os povos indígenas são o grupo prioritário no qual a vacinação menos avançou.
Uma análise divulgada nesta terça-feira (23/3) pela organização Open Knowledge Brasil indica ainda que a Região Amazônica, onde vivem 60% dos indígenas brasileiros, é onde as doses menos chegam para esses povos.
A pesquisa foi finalizada com os dados públicos que estavam disponíveis até o último dia 11 de março, e mostra que, dos 413,7 mil indígenas que o Ministério da Saúde previu como prioritários, 228,3 mil foram vacinados com a primeira dose, o que representa 55% do total. Em nota ao Metrópoles o Ministério da Saúde informou, nesta terça (23/3), que a vacinação avançou e chegou a 69% do público alvo.
Pelos dados considerados pelo levantamento até o dia 11, do grupo de trabalhadores da saúde, que é 13 vezes maior, com 6,6 milhões de pessoas, 67% já haviam recebido a primeira dose até então. Entre os idosos, o percentual chega a 66% do público alvo. Veja todos os dados:
Em alguns casos o total passa de 100%, chegando a 276% no caso de pessoas com deficiência institucionalizadas (que vivem em hospitais ou casas de apoio). Para Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, o dado mostra que o governo subdimensionou ao menos alguns dos grupos, o que pode afetar a destinação de doses para outros.
Em entrevista ao Metrópoles, ela avalia que as dificuldades para se alcançar a população indígena não são suficientes para explicar a demora na vacinação desses povos. “Já temos uma estrutura instituída de atendimento às populações indígenas no Brasil. Claro que há comunidades mais isoladas, mas o que nossa análise mostrou é que houve uma forte queda na vacinação depois que se chegou a 55% da primeira dose. Na segunda é que há mais demora, o que mostra que chegar nas pessoas não é o problema, o que falta é a priorização efetiva desse grupo que foi considerado prioritário.”
Os dados da segunda dose citados pela representante da OKBR são os que mostram como a vacinação perdeu força entre os indígenas dos estados da Amazônia Legal. Lá vivem 60% dos indígenas brasileiros, mas foi onde foram aplicadas 47% das primeiras doses a esse grupo, e apenas 34% da segunda dose. Resumindo, dois a cada três indígenas brasileiros vivem na Região Amazônica, mas só um a cada três vacinados com a segunda dose é de lá.
A velocidade de aplicação dessa segunda dose, porém, caiu para os indígenas brasileiros em geral, apesar de seu início ter praticamente travado a aplicação da primeira dose para quem ainda não foi alcançado. Veja uma reprodução gráfica dessa perda de velocidade e o total de indígenas vacinados na Amazônia e fora dela:
Como o Metrópoles registrou no início da vacinação dos grupos prioritários, entidades que representam os povos indígenas reclamaram da inclusão de apenas 410 mil integrantes das etnias que vivem no Brasil nos grupos prioritários.
O número exclui não só os menores de idade, mas todos os indígenas que vivem em cidades, zonas rurais fora de reservas oficiais e aqueles que vivem em áreas em processo de demarcação. Só em duas áreas não demarcadas no Rio Grande do Sul e no Piauí, 12 mil indígenas aldeados ficaram excluídos, como registrou a Agência Pública.
Confusão de dados
Ao fazer o levantamento, a OKBR encontrou diferenças entre dados apresentados pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação, dependendo da plataforma. Entre o OpenDataSUS e o Painel “Imunização Indígena” havia uma diferença de 85 mil doses no último dia 11. Também nos dados oficiais entre os indígenas vacinados, há 5.780 casos em que apenas a segunda dose foi registrada no painel.
“Com essas discrepâncias, a gente fica em dúvida se na ponta se realmente a vacina está chegando em quem precisa, se está chegando na população indígena, se gente pode confiar nesse número”, comenta Fernanda Campagnucci.
Veja registros do início da vacinação na aldeia Umariaçu, do povo Ticuna, no Amazonas, na segunda quinzena de janeiro deste ano:
O impacto da Civid-19 entre os povos indígenas
Desde o início da pandemia, 1.021 indígenas morreram da doença segundo o levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A entidade também calculou que foram 51.179 casos da doença, atingindo 163 povos, mais da metade das 305 etnias originárias que vivem no país.
Nos números oficiais, que desconsideram os não-aldeados, foram computadas 621 mortes e 45.282 casos confirmados.
Outro lado
Em nota oficial, o Ministério da Saúde justificou a demora pela dificuldade em alcançar certas populações, mas informou que avançou na meta de vacinação desde que os dados da OKBR foram analisados. Veja a nota na íntegra:
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), esclarece que 69% da população indígena maior de 18 anos atendida pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS) e especificidades da ADPF já foi imunizada com a primeira dose da vacina contra a covid-19 e 49% recebeu a segunda aplicação. A vacinação é voluntária e segue a logística do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
A vacinação é realizada pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) – responsáveis por levar atenção básica de saúde às áreas indígenas. O percurso até as aldeias é feito por meios de transportes aéreo, fluvial e rodoviário, mas depende também de condições climáticas favoráveis para voos e deslocamentos. Nas áreas mais remotas, as equipes de saúde chegam a ficar até 30 dias em campo sem acesso à internet e celular, dependendo apenas do sinal de rádio dos DSEI para comunicação. Quando elas retornam, os dados de atendimento são lançados no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) – por conta disso, dados de determinadas regiões demoram mais para serem computados no sistema do Ministério da Saúde.