“Posto Ipiranga” de Bolsonaro, Guedes vê seu liberalismo perder espaço
Gestão Bolsonaro passa por metamorfose e vai abrindo mão de mais um dos pilares de campanha, mas liberais ainda buscam cacos para juntar
atualizado
Compartilhar notícia
Mudanças profundas estão acontecendo no governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Como ocorreu com a agenda anticorrupção do ex-ministro Sergio Moro e a guerra cultural dos seguidores de Olavo de Carvalho, o liberalismo capitaneado por Paulo Guedes vai rapidamente perdendo espaço numa gestão que, apesar de manter o discurso da austeridade, já não se empolga com reformas e privatizações.
Dessas mudanças, sobrou pouco de um superministro que mesmo antes de sentar na cadeira já ameaçava dar “uma prensa” no Congresso para alavancar uma agenda liberal agressiva. Ainda buscando um novo lugar após perder os poderes de “posto Ipiranga”, o Guedes de hoje compreende o tempo da política e busca espaços para não deixar as ideias liberais se perderem totalmente.
Na avaliação do economista Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a guinada de Bolsonaro rumo a uma agenda mais desenvolvimentista estava sendo ensaiada desde antes da pandemia de coronavírus, o que agora justifica um aumento de gastos públicos.
“Bolsonaro viu que as promessas de Guedes de crescimento não foram cumpridas, que a economia não reagiu, e foi convencido de que é impossível manter um governo sem crescimento. O descontentamento e o poder da ala militar aumentaram”, afirma o pesquisador.
Desde o início de 2020, então, o governo buscou sustentação no Centrão, mudou sua comunicação para fugir das polêmicas e buscou uma nova base social com a valorização do auxílio emergencial para os afetados pelo coronavírus.
“Nisso, a mudança na condução econômica é algo que vem naturalmente. Não chega a ser um abandono do neoliberalismo, mas o Guedes se readequou e já não está com essa bola toda”, analisa Pochmann.
Governo “binário”
Nessa adequação, ainda há avanços liberais, pelo menos na opinião do cientista político Lucas de Aragão, da consultoria Arko Advice. “Tudo parece muito binário agora: ou o governo é totalmente liberal ou abandona totalmente as ideias de Guedes. Mas o mundo é mais complexo do que isso”, avalia ele.
“O governo abandonou ou atrasou alguns planos, mas atingiu outros objetivos, como a reforma da Previdência, o marco do gás, a agenda de concessões. Então, não será na intensidade e velocidade que Guedes prometeu, mas acredito que ainda haverá liberalismo no governo”, afirma o analista político.
Esse liberalismo sem destaque não satisfaz liberais como o economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Medidas liberais até o Lula tomou. Foi ele que tirou a aposentadoria integral dos servidores públicos, por exemplo”, afirma ele, que acha que a resistência à agenda de privatizações está mais dentro do governo do que no Congresso.
“Faltou articulação ao Guedes, apesar de ele ter apresentado uma boa agenda, e hoje ele enfrenta uma oposição explícita dentro do governo: do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional)”, analia o economista, que chegou a participar dos debates da equipe econômica na formação do governo. “E Bolsonaro botou mais de 20 militares em conselhos de estatais. Como privatiza assim?”, questiona.
Excesso de fé
Perguntado se os liberais caíram numa armadilha ao acreditar no Bolsonaro liberal, ele diz que pode ter havido “excesso de fé” em Paulo Guedes. “Mas cair numa armadilha é colocar uma inocência que não estava lá. Muitos liberais votaram contra o PT e a turma o Guedes acreditou que ele ia conseguir bancar essa agenda, mas não está conseguindo. O grupo do Guedes está perdendo”, conclui.
Mercado não se choca
A Bolsa de Valores de São Paulo fechou em pequena baixa no dia seguinte à “debandada” no Ministério da Economia e os agentes do mercado financeiros mostraram que já esperavam o movimento, porque a sensação de que o governo já não quer a agenda liberal é generalizada.