Pós-cirúrgico de Lula pulveriza poder e emperra articulação do governo
Lula deverá ficar ao menos três semanas isolado no Palácio da Alvorada após cirurgia no quadril, e papéis no governo serão divididos
atualizado
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é conhecido por seu perfil centralizador e, num governo com dificuldades de relacionamento com um Congresso hostil, a figura do chefe do Executivo se tornou ainda mais relevante para fazer a gestão andar. Como Lula vai passar ao menos três semanas isolado no Palácio da Alvorada enquanto se recupera da cirurgia que fez na sexta (29/9), a tendência é que o governo federal enfrente impasses no decorrer do período.
O poder ficará pulverizado entre vários personagens, e as decisões mais importantes terão de esperar pela recuperação do presidente.
Lula não passou o cargo para seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e segue como presidente formal, mas ficará impossibilitado de atuar diretamente, sobretudo nesta primeira semana. No período, a “cara” do governo deverá ser dividida por setores, e há boas chances de atritos na equipe do presidente.
A reforma ministerial que oficializou a entrada de PP e Republicanos na Esplanada não garantiu base parlamentar sólida, como já era esperado, e o Centrão continua cobrando Lula por mais espaços em troca de deixar a pauta do governo andar na Câmara e no Senado.
Para além das indicações ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), cujos nomes a serem escolhidos são de total interesse do Legislativo, Lula não decidiu antes da cirurgia se vai entregar o comando da Caixa ao PP de Arthur Lira, presidente da Câmara, e em que termos.
Com isso, mesmo antes da convalescença do presidente, o grupo político de Lira já começou a impor dificuldades para o governo no Legislativo e nada do interesse dos lulistas avançou na última semana.
Articulação mais frouxa
Agora, sem Lula para assegurar o cumprimento de acordos e cobrar seus ministros para liberarem logo emendas prometidas, fica mais difícil o trabalho dos articuladores do governo: o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e os líderes na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Tem sido comum a reclamação, mesmo de parlamentares da base, de que áreas do governo, como os ministérios da Saúde e o do Esporte antes da troca de Ana Moser por André Fufuca, demoram demais para liberar verbas de emendas. E apenas ordens diretas de Lula parecem resolver essas questões na velocidade que os congressistas esperam.
Além disso, esses articuladores oficiais não conseguem atuar em todas as frentes. Num tema fundamental para o governo, que são as pautas econômicas, só o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, tem conseguido destravar algumas conversas. E há uma batalha pela frente.
Insatisfeito com a demora na resposta a algumas de suas demandas, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que preside a importantíssima Comissão de Constituição e Justiça do Senado, está criando dificuldades para pautar a Reforma Tributária e pode frustrar os planos do governo de vê-la aprovada até outubro.
Existe o risco de Alcolumbre “sentar em cima” também da sabatina de quem Lula indicar para STF e PGR.
Papel de Janja na ausência de Lula
Na convalescença de Lula, a primeira-dama do país, Janja da Silva, deverá atuar como uma espécie de porta-voz do presidente, como já aconteceu na viagem ao Rio Grande do Sul, na última semana, quando ela liderou uma comitiva de ministros.
Essa situação preocupa líderes de bancadas e até alguns integrantes do governo, pois a primeira-dama tem a fama de “não dar moral” a quem não está no seu seleto grupo de favoritos. O aumento do poder de Janja traz para esses desconfiados o medo de que ela não permita acesso a Lula, durante o isolamento no Alvorada, mesmo quando ele já estiver melhor.
Rui Costa segurando as pontas
Se Janja vai atuar como porta-voz de Lula, caberá ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, o papel de manter a máquina governamental funcionando na ausência do presidente. Costa, que é muito próximo de Lula, terá a tarefa de cobrar ministros e outros auxiliares, de dar aos articuladores os posicionamentos do governo a cada tema e de tentar impedir atritos.
Tudo isso enquanto coordena o principal programa de investimentos do governo, o PAC.