Por que há pessoas que defendem liberação do porte mínimo de drogas
Motivo principal está na superlotação das cadeias, mas passa também pelo encarceramento em massa de jovens empobrecidos sem antecedentes
atualizado
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“Não quis acreditar que uma coisa dessa ia acontecer comigo. Eles perguntavam se estávamos com drogas e se tínhamos outra coisa, como dinheiro. Eu disse que sim e mostrei onde estava”, é o relato de um jovem de 25 anos, que preferiu não ser identificado. Ele portava 15g de maconha para consumo próprio quando foi detido pela Polícia Militar do Distrito Federal, graças a uma denúncia.
O jovem, à época com 18 anos e que hoje prefere não se identificar, acabou preso. Ele integra um grupo de pessoas que poderia ter evitado ficar atrás das grades se houvesse a definição de quantidade mínima de posse de drogas para reduzir o número de prisões. E que encontra defensores em pessoas como o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Atualmente, a lei é discricionária quanto à quantidade de drogas apreendidas em uma eventual abordagem. Isto é, a autoridade policial decidirá, com base nas circunstâncias do flagrante, se o indivíduo será enquadradado como traficante ou como usuário.
Especialistas e magistrados, como Barroso, já se manifestaram favoráveis à legalização de drogas como a maconha e a cocaína, entorpecentes mais traficados no país, para consumo próprio. Com isso, as prisões por tráfico seriam drasticamente reduzidas.
De acordo com Barroso, por exemplo, um dos benefícios da legalização seria prevenir o encarceramento em massa de jovens empobrecidos sem antecedentes criminais, que são detidos por tráfico porque estão com quantidades insignificantes de maconha.
Pontos de vista
Para Luís Jivago, mestre em direito constitucional pela Universidade de Brasília (UnB), estipular uma quantidade mínima para caracterização de tráfico de drogas já seria um grande avanço. Entretanto, o tema ainda anda a passos curtos no país.
“Do ponto de vista liberal, a decisão de usar ou não um entorpecente está na esfera do livre arbítrio de cada um. O Estado não deveria se meter nisso. Do ponto de vista social, trata-se da criminalização de um problema de saúde pública”, pontua.
Pelo lado jurídico-penal, a saúde pública seria protegida, segundo Jivago. “Ora, o Estado impedir alguém de fumar um ‘baseado’ não protege a saúde de ninguém, nem da própria pessoa. É um bem jurídico abstrato, cuja proteção não se sustenta no direito penal”, explica.
Segundo o especialista, os bens jurídicos penais devem ser “fatores muito importantes e bem delimitados”. Como exemplo: crime de homicídio protege a vida; crime de estupro protege a dignidade sexual e o crime de sonegação fiscal protege a administração dos impostos.
Prisões por tráfico
Atualmente, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), homens e mulheres presos e por tráfico de drogas, somam 219,3 mil pessoas. São 17,1 mil mulheres e 202,2 mil homens. Os dados são do último semestre de 2021.
Na modalidade de crimes cometidos por mulheres, o tráfico é o que mais encarcera, seguido pelos crimes contra o patrimônio e os crimes contra pessoas.
Veja a tabela:
O ex-coordenador de Defesa Criminal da Defensoria do Rio de Janeiro, Ricardo André de Souza, destacou que a política de superencarceramento se apoia na Lei de Drogas, mais especificamente nos flagrantes de tráfico.
“A política de drogas é a espinha dorsal da política criminal brasileira. Os dados relacionados ao período de pandemia o demonstram”, enuncia Souza.
E diz como é importante basear a discussão em pesquisas como essas. “É fundamental que o debate público possa ser iluminado por dados como os apresentados nessa pesquisa, que conta com um enorme banco de dados, talvez único no mundo no que diz respeito às audiências de custódia”, ressalta.
Questão racial
Há ainda uma questão de raça. Levantamento da Agência Pública demonstrou, com base na análise de mais de 4 mil sentenças em primeiro grau para o crime de tráfico de drogas julgados na cidade de São Paulo, em 2017, que negros foram mais condenados por portarem quantidade mínima de drogas.
Os especialistas indicam que Justiça tolera maiores quantidades de drogas em posse para uso para pessoas brancas do que para negros.
Dos negros julgados, 71% foram condenados por todas as acusações feitas pelo Ministério Público no processo – um total de 2.043 réus. Os brancos, por outro lado, foram condenados com menor frequência: 67%, ou 1.097 condenações. Já a frequência de absolvição foi similar – 11% para negros, 10,8% para brancos
No Rio de Janeiro, não foi diferente, segundo o núcleo de Pesquisas da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Estudo de 2020, demonstrou que, no estado, a maioria dos presos em flagrante por tráfico de drogas era negra.