Por que gruta em SP pode ter desabado em acidente que deixou 9 mortos
Segundo geólogo, material que constitui a Gruta Duas Bocas, em Altinópolis, é muito poroso, suscetível à passagem de água
atualizado
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A formação geológica da Gruta Duas Bocas, em Altinópolis, no interior de São Paulo, pode ter contribuído para o desabamento do teto do local, onde nove bombeiros civis morreram durante um treinamento no domingo (31/10). A estrutura é constituída de arenito Botucatu, mesmo material encontrado no Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo, na América do Sul.
Em entrevista ao Metrópoles, o geólogo Renato Ramos, professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que o arenito Botucatu é derivado de um deserto de milhões de anos. Com ajuda da água e de elementos químicos como o ferro, os grãos de areia se unem e formam rochas.
O estudioso reforçou, porém, que essas pedras são muito porosas e permeáveis, pouco resistentes a chuvas. No momento do desabamento, chovia bastante na região, o que, para Renato, contribuiu para a queda do teto da gruta.
“É como areia de praia, só que endurecida. Os grãos estão todos unidos por elementos químicos, como óxido de ferro, carbonato de cálcio e sílica. Não se sabe ainda a causa do desabamento, mas, provavelmente, a chuva teve influência para desintegrar o arenito”, ressaltou o especialista.
Este material é diferente do calcário, por exemplo, mais resistente. “[A rocha] pode dissolver, como o calcário em grutas de Minas Gerais e Goiás. Mas outras grutas, formadas por arenito e quartzito, a exemplo da região de Ibitipoca, se formam muito pela queda mecânica dos fragmentos. O teto vai caindo aos poucos e abrindo espaço ao longo dos séculos”, afirmou.
Local fragilizado
Presidente da Associação Profissional dos Geólogos do Estado do Rio de Janeiro (APG-RJ), Ramos ressaltou que apenas uma parte do teto da Gruta Duas Bocas caiu – no ponto onde estavam os bombeiros que acabaram soterrados. Outras 18 pessoas escaparam sem ferimentos. De acordo com o profissional, isso pode ter acontecido porque esta área específica deveria estar mais fragilizada que as demais, em decorrência dos efeitos do tempo.
“Parece que havia muitas fraturas, quebras na rocha. Então, o arenito já é poroso, a água penetra facilmente nele, e ainda existe muitas fraturas, é muito perigoso ficar dentro de um lugar desses”, definiu.
O grupo de 28 bombeiros civis passaria a noite no local, no âmbito de um treinamento para resgate em cavernas, mas foi surpreendido pelo desabamento na madrugada. Renato Ramos considera a possibilidade de o espalhamento da areia ter causado as mortes, além do próprio impacto da queda da estrutura.
“O teto da gruta, que tinha cerca de 30 centímetros de arenito, desabou e voltou a ser areia quando bateu no chão. Muita gente pode ter morrido sufocada com a areia e até menos pelo impacto. Na natureza, tudo é cíclico: de deserto, virou rocha, e com o passar dos anos, inevitavelmente volta a ser areia”, explicou.
“Foi uma infelicidade eles terem entrado na gruta e permanecido lá com chuva, e também uma fatalidade, justamente por uma parte dos bombeiros ter deitado em um lugar mais instável. De maneira geral, não é recomendado ficar em uma gruta quando estiver chovendo, ainda mais sendo de arenito”, disse Renato Ramos.