Por que a Baixada Fluminense concentra os assassinatos de políticos na região Sudeste
Desde 2019, 1/4 das execuções de políticos do Sudeste ocorreram na região. Sandro do Sindicato, de Duque de Caxias, foi vítima mais recente
atualizado
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Rio de Janeiro – Assassinado com tiros de fuzil na quarta (13/10), o vereador Alexsandro Silva Faria, conhecido como “Sandro do Sindicato” (Solidariedade), até dançava de alegria quando acompanhava obras de recapeamento e saneamento no bairro do Pilar, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Se antes sua atuação parlamentar era motivo de comemoração para a família, hoje a Polícia Civil investiga se seus projetos motivaram retaliação de grupos criminosos como milícias.
Sandro foi a mais recente liderança política morta no estado do Rio de Janeiro, onde a Baixada Fluminense é a região em que mais políticos foram assassinados nos últimos anos. Dos 72 assassinatos de parlamentares registrados em 2021, pelo menos 10 se deram no estado – sendo a maioria na Baixada Fluminense, onde houve 6 deles –, de acordo com levantamento do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio.
Entre os casos monitorados pela entidade desde 2019, uma em cada quatro execuções de políticos no Sudeste foram registradas nessa região, que inclui as cidades de Belford Roxo, Seropédica, Duque de Caxias, Guapimirim, Japeri, Queimados, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João de Meriti.
“Esse ano de 2021 está muito violento. Se isso for um prenúncio, vamos ter eleições muito violentas em 2022”, avalia o cientista político Felipe Borba, professor da Unirio e coordenador do Observatório da Violência Política e Eleitoral.
Só em Duque de Caxias já houve três execuções do tipo neste ano. O vereador Danilo Francisco da Silva, o Danilo do Mercado (MDB), foi o primeiro parlamentar local assassinado em 2021, em 10 de março. Depois, acabou executado em 12 de setembro o vereador e ex-policial militar Joaquim José Quinze Santos Alexandre, o Quinzé (PL). O último foi Sandro, nesta semana.
Além dos vereadores, também foram assassinados no pedaço os ex-candidatos Altino Gláucio Ramos Dias, o Tilt, Carlos Alexandre de Castro Oliveira, o Ling (PROS), e Jorge Luiz Pereira, o Jorginho Ibiza (Avante).
A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), por enquanto, não responsabilizou ninguém pelas mortes dos vereadores. A Polícia Civil informou que Danilo do Mercado era investigado por envolvimento em assassinatos e pela suspeita de que integrava uma milícia. Já Quinzé, ex-policial, tinha um histórico de acusações de receptação e porte de arma de fogo com numeração raspada – a polícia suspeita que sua execução possua relação com atividades criminosas. Por isso, analisa-se se os assassinatos foram retaliações entre organizações criminosas.
De montador a sindicalista
Os policiais ainda não apresentaram oficialmente hipóteses para o assassinato de Sandro. Nesta sexta-feira (15/10), seu filho mais velho, Alexsandro Júnior Silva, de 25 anos, foi ouvido na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense. Em entrevista ao Metrópoles, ele disse que seu pai jamais relatou qualquer ameaça, mas ele teme que seu assassinato possa ter sido planejado por políticos com interesses no bairro do Pilar, onde Sandro nasceu, foi criado e se projetou.
“Pelo meu pai estar fazendo o trabalho dele, tinham inveja. Nosso bairro tinha muitos políticos. Quero saber quem foram os covardes que fizeram isso. Ele só queria saber de trabalho e não fazia guerra com ninguém”, afirmou Alexsandro Júnior.
Sandro do Sindicato foi assassinado por volta das 6h de quarta-feira (13/10), quando seguia de van, dirigindo, para a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), da Petrobras, onde comparecia diariamente, segundo familiares. Na véspera, pai de seis filhos e avô, havia passado o Dia das Crianças com a filha mais nova, de 4 anos, e a neta, da mesma idade.
Filho de uma costureira e de um pintor, ele foi montador de andaimes na Reduc, antes de se dedicar integralmente ao sindicalismo. Trabalhou também para construtoras no estaleiro Inhaúma, da Petrobras, antes de ser eleito para a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Duque de Caxias (Siticomm).
“Ele sempre foi um cara de liderança. Era um paizão, humilde, simples. Virou vereador na terceira tentativa”, lembra o filho.
Causas sociais de assassinatos de políticos
Mas o que explica a elevada incidência de assassinatos de políticos na Baixada Fluminense? Pesquisadores destacam que vereadores podem atrapalhar interesses de organizações, mesmo de forma involuntária, e, assim, acabar vítimas dessas quadrilhas. Por outro lado, disputas e retaliações de grupos criminosos podem também perpetuar esse ciclo de homicídios. Na realidade particular da Baixada Fluminense, a geopolítica do crime organizado, em que milícias e traficantes brigam por território e lucros, além de interesses políticos e econômicos na região, explicam por que tantos políticos são assassinados de forma rotineira e sistemática, na opinião de estudiosos entrevistados pelo Metrópoles.
“É logico que alguns políticos não têm envolvimento com o crime organizado e sofrem com a violência. Mas a Baixada Fluminense é o local do Brasil que combina mais tragicamente a política e o crime organizado. Na região, há grupos de extermínio, jogo do bicho, milícias e tráfico de drogas. Parte do sucesso dessas atividades ilegais depende de acesso a cargos públicos”, avalia o cientista político Felipe Borba. “O grosso da violência na Baixada Fluminense tem muito a ver com essa promiscuidade entre política e crime organizado”, acrescenta.
Os primeiros registros históricos de violência política na Baixada Fluminense começam com a atuação de pistoleiros na região, nos anos 30, de acordo com o sociólogo José Cláudio Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense. Nessa época, o pistoleiro Tenório Cavalcanti virou vereador por Nova Iguaçu – posteriormente chegou a deputado federal –, depois de consolidar sua fama na região como jagunço de uma fazenda na região de Duque de Caxias.
Na esteira da ditadura militar, começaram a aparecer registros de grupos de extermínio, que aterrorizavam o pedaço com violência, para a imposição de interesses políticos e econômicos, conta Alves.
“A ditadura deu as bases para grupos políticos e econômicos que usam a violência para sua expansão. A partir de 64, explode o uso institucionalizado do Estado, por dentro (por policiais e militares), para aplicação da violência na região. O Estado abre a mão do monopólio da violência para grupos armados”, analisa o sociólogo.
Milicianos na região
Essa mistura de grupos violentos armados e políticos se consolidou com as atuais milícias, que acumulam o controle de territórios na Baixada Fluminense, com apoio velado de políticos e eleição rotineira de representantes, enquanto facções de traficantes perdem poder. Ao analisar as circunstâncias do assassinato de Sandro do Sindicato, o sociólogo José Cláudio Alves observa que a sua área de atuação virou alvo recente de interesse de milicianos, porque, perto dali, a Prefeitura de Duque de Caxias tenta construir uma central de abastecimento no Campo do Bomba, cercada por empreendimentos imobiliários, o que aumentou a disputa por propriedades e pelo controle de serviços na região.
“Milicianos há décadas vendem terrenos no bairro do Pilar e do São Bento (onde ficaria a central de abastecimento se construída). É uma área com histórico de vários milicianos eleitos. Há uma geopolítica de expansão miliciana ali que transforma tudo aquilo em área de disputa intensa. Ali hoje é a joia da coroa metropolitana”, avalia o sociólogo.
Embora especialistas avaliem que há estruturas sociais que explicam a onda de assassinatos na região, eles também cobram maior dedicação e investimento policial para que esse tipo de crime seja solucionado, com a identificação dos mandantes, algo raro nessas investigações do Rio de Janeiro.
“Vemos uma baixa resolução desses crimes. Talvez o Brasil precisasse ter núcleos policiais especializados em crimes políticos. Acaba que a solução depende das delegacias de homicídios e não sei se há interesse e estrutura para desvendá-los”, afirmou.
Por medo de que os assassinatos de vereadores continuem impunes e de que mais parlamentares sejam executados, o presidente da Câmara Municipal de Duque de Caxias, Celso do Alba (MDB), se reuniu na quinta-feira (14/10) com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
“O governador garantiu que não vai haver distinção entre crimes na capital e na Baixada Fluminense”, afirmou Alba ao Metrópoles.