metropoles.com

Por ordem de Bolsonaro, Exército já fez mais cloroquina do que em 10 anos

Instituição produzia 125 mil comprimidos por ano e fez 1,25 milhão após ordem do presidente. Não há eficácia comprovada contra o coronavírus

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles

Uma das drogas testadas no mundo para tentar combater a Covid-19, a cloroquina ultrapassou o debate médico e virou questão política no Brasil após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começar a defender o produto como esperança de cura. Discordâncias sobre a recomendação do uso mais amplo do remédio pelo Sistema Único de Saúde ajudaram a derrubar o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta e colocam Bolsonaro e o novo ocupante do cargo, Nelson Teich, em rota de colisão.

E se ainda não conseguiu interferir diretamente na política ministerial, Bolsonaro usou sua caneta para determinar que o Exército produzisse muita cloroquina: em três semanas após a determinação do presidente, foram feitos 1.250.000 comprimidos, que estão sendo enviados aos estados.

É um aumento de 900% em relação aos 125 mil comprimidos que o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) costumava produzir em um ano inteiro, principalmente para consumo interno contra a malária.

Quando Bolsonaro determinou que a instituição ampliasse a produção, em 21 de abril, a ordem foi acatada imediatamente e, dois dias depois, a instituição começou o plano emergencial e até o dia 14 de abril, último dado que o Exército passou ao Metrópoles, havia feito 1,25 milhão de comprimidos.

Se o ritmo de produção tiver sido mantido, pelo menos mais um milhão de comprimidos podem ter sido produzidos nos 30 dias seguintes, mas o próprio Exército informa que a capacidade total, se necessário, pode chegar a um milhão por semana. Isso se houver matéria-prima, cuja importação é tema de uma negociação entre o Brasil e a Índia.

Embate com o Ministério da Saúde
Bolsonaro quer que o remédio, que o governo também compra da iniciativa privada, seja ministrado a pacientes de Covid-19 desde o início do tratamento. O presidente defende que o Ministério da Saúde recomende e adote o uso mais amplo.

Como não há comprovação científica da eficácia da cloroquina (e de nenhuma outra droga) contra o coronavírus, porém, o Ministério da Saúde, desde os tempos de Mandetta, resiste a cumprir a ordem de Bolsonaro.

A insistência de Bolsonaro no uso da cloroquina aumenta em um momento em que os primeiros estudos científicos mais completos não estão confirmando a eficácia do remédio contra o coronavírus.

Além disso, a droga tem como efeito colateral o aumento do risco de problemas no coração, o que pode ser ainda mais perigoso para pacientes que se tratam em casa e não são monitorados em hospitais.

4 imagens
Em 26 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou uma caixa do medicamento Reuquinol para a reunião com os líderes do G20, que tratou da crise global da pandemia do novo coronavírus
Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento
Redes sociais do influencer Renato Spallicci
1 de 4

Bolsonaro apresenta caixas de cloroquina a apoiadores e à imprensa, em abril de 2020

Raphael Veleda/Metrópoles
2 de 4

Em 26 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou uma caixa do medicamento Reuquinol para a reunião com os líderes do G20, que tratou da crise global da pandemia do novo coronavírus

Marcos Corrêa/PR
3 de 4

Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento

Samir Jana/Hindustan Times/Getty Images
4 de 4

Redes sociais do influencer Renato Spallicci

Reprodução

As possíveis consequências
A ordem de Bolsonaro para ampliar de maneira expressiva a produção de um medicamento pelo Exército traz consigo o risco de um uso questionável de verbas públicas em um momento de emergência – caso a eficácia da cloroquina não seja confirmada e o remédio não sirva para combater o coronavírus.

Para o especialista em direito constitucional e penal Acácio Miranda da Silva Filho, da OMB Advogados, é preciso levar em conta o momento excepcional, mas isso não significa abandonar a racionalidade. “Mesmo agora, os atos do poder público precisam ser minimamente guiados por critérios técnicos e objetivos. Determinar a produção exacerbada de um produto cuja eficácia não é comprovada pode caracterizar crime de responsabilidade”, avalia.

O advogado diz ainda que a edição por Bolsonaro da Medida Provisória nº 966/2020, que isenta de responsabilidade administrativa gestores que cometerem erros sem intenção no combate ao coronavírus, pode ser uma tentativa de respaldar juridicamente “certos exageros”.

Definir o limite do exagero, no entanto, pode ser muito difícil na opinião da pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vera Monteiro. “O contexto importa para a lei. Em um momento de combate a uma pandemia, medidas que depois se mostraram equivocadas, mas que tinham alguma razoabilidade quando foram tomadas, não devem ser, obrigatoriamente, alvo de punições”, argumenta.

Segundo a professora, mesmo antes da MP nº 966, a legislação previa que o agente público só deveria responder por erros grosseiros ou com dolo. “A Lei nº 12.376/2010 prevê o que veio nessa MP que, para mim, tem mais efeito político do que jurídico”, explica.

Ela conclui afirmando que o fato de a cloroquina ser testada contra o coronavírus pode ser um argumento que isente Bolsonaro de responsabilização mesmo que, no fim, ocorra prejuízo aos cofres públicos. “Mas é preciso, claro, esperar o caso concreto para ver se houve a razoabilidade”, afirma.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?