População quilombola no Entorno do DF é vacinada contra Covid-19
Ministério da Saúde enviou 1.460 doses para o município destinadas à população de território tradicional pouco conhecido no Entorno do DF
atualizado
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Goiânia – A um mês de completar 275 anos, o Quilombo do Mesquita, na Cidade Ocidental, Entorno do Distrito Federal, começou a receber vacinas contra Covid-19 destinada à sua comunidade na guerra contra a doença. A ação de imunização da comunidade tradicional está programada para seguir até o final de semana.
A secretária de Saúde de Cidade Ocidental, Luciane Bernardes, explica que o município recebeu do Ministério da Saúde 1.460 doses da vacina Coronavac junto com a orientação para que sejam aplicadas especificamente nos quilombolas. “A doença hoje está cada vez mais grave”, alerta.
Desde o início da pandemia, ao menos 235 quilombolas já morreram no país por complicações da doença, entre os 5.266 casos confirmados, segundo monitoramento atualizado pelo Observatório da Covid-19 nos Quilombos. As estatísticas podem ser muito maiores, já que a maioria dos territórios não teve testagem nem registrou o motivo das mortes.
STF
Em Cidade Ocidental, a vacinação de quilombolas começou nessa segunda-feira (5/4), 41 dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) concluir julgamento que obrigou o governo federal elaborar, em até 30 dias, plano nacional de enfrentamento da pandemia voltado à população tradicional.
Há exatamente um mês, o governador Ronaldo Caiado (DEM) mandou montar operação de guerra para vacinar quilombolas do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, no nordeste goiano.
A ação do governo ocorreu após a confirmação de que o coronavírus contaminou ao menos 14 kalungas que vivem no sítio histórico, afastado da cidade e localizado em uma região de difícil acesso e com infraestrutura precária.
Em Cavalcante, por exemplo, como mostrou a série Quilombos na Pandemia, do Metrópoles, obras inacabadas de quatro unidades básicas de saúde (UBS) aumentam a desolação de centenas de quilombolas em Cavalcante. Os casos continuam sob investigação do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO).
Veja, abaixo, vídeo da vacinação contra Covid em Cavalcante:
Mesquita
Muitos idosos, alguns centenários, ainda vivem no Quilombo do Mesquita, como mostrou a Agência Brasil. Eles mantêm viva a relação estreita com a terra e transmitem os relatos sobre a origem e história da comunidade aos mais jovens.
Segundo o testemunho oral, que está registrado nos relatórios da Fundação Palmares e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o quilombo nasceu depois de três escravas herdarem parte das terras do fazendeiro José Correia de Mesquita.
As propriedades da época haviam se desenvolvido em meio à busca pelo ouro, atividade econômica que predominou em Goiás no século 17 e entrou em decadência no final do século 18.
No entorno das propriedades surgiu a cidade de Santa Luzia, atual Luziânia, onde viviam, em meados de 1760, cerca de 13 mil negros escravizados e 3,5 mil pessoas livres que compunham a elite do município.
Libertas do regime escravocrata, as mulheres beneficiadas pela doação de Mesquita permaneceram no território onde formaram suas famílias e mantiveram as tradições do plantio e costumes da cultura negra. Elas também abrigaram nas terras herdadas negros escravizados que fugiam de outras propriedades da região.
Memória
O primeiro registro da terra ocorreu em 1746. O reconhecimento como quilombo, no entanto, chegou apenas em 2006, quando a Fundação Cultural Palmares concluiu os estudos antropológicos para delimitar a região. Hoje, o quilombo abriga na área rural 785 famílias que tentam manter as tradições deixadas pelos ancestrais. Outras 435 famílias quilombolas do Mesquita vivem em cidades do Entorno do DF.
A região se destaca pela produção artesanal da marmelada. O doce do marmelo, fruto típico da região, é uma das principais fontes de renda das famílias.
Há mais de 100 anos, a comunidade celebra todo mês de janeiro a tradicional Festa do Marmelo, que atrai de cinco a seis mil pessoas por ano. Os moradores relatam que o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi um dos principais compradores de doces do quilombo.
Na área, também se planta milho, feijão, cana, mandioca, hortaliças, entre outras culturas, e são criados porcos, galinhas e gado.
Risco de passar fome
É exatamente a agricultura familiar que tem ajudado os quilombolas da região a diminuírem o risco de passar fome durante a pandemia da Covid-19.
Em Cidade Ocidental, até segunda-feira (5/4), já foram confirmados 4.186 casos de contaminação pela Covid-19, com 75 mortes. Outros 6 óbitos estão em investigação.
Nos 246 municípios goianos, a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SESGO) confirmou 491.624 casos, com mais de 12 mil mortes registras no final da tarde de segunda.