Políticos criticam órgão do RS que ligou escravidão a assistencialismo
Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (RS) alegou que programas de distribuição de renda levam à falta de mão de obra
atualizado
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Os deputados federais Gleisi Hoffmann (PT) e Guilherme Boulos (PSol) usaram as redes sociais, nesta terça-feira (28/2), para repudiar a declaração do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG) que tenta associar a situação de trabalho análogo à escravidão descoberta na cidade gaúcha com “falta de mão de obra” e políticas assistencialistas.
Para a entidade empresarial, programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, levam a uma carência de mão de obra, que estaria relacionada a casos como o resgate de 207 trabalhadores explorados na colheita de uvas na região.
“Situações como esta”, diz nota da entidade divulgada no fim de semana, “infelizmente, estão também relacionadas a um problema que há muito tempo vem sendo enfatizado e trabalhado pelo CIC-BG e poder público local: a falta de mão de obra e a necessidade de investir em projetos e iniciativas que permitam minimizar este grande problema”.
A presidente nacional do PT chamou o texto de “nota horrorosa”, que tenta “justificar o trabalho escravo”.
Veja:
Órgão que atua nas indústrias Bento Gonçalves solta nota horrorosa justificando trabalho escravo. Pasmem, a culpa é da falta de mão de obra e do Bolsa Família! Quando a gente acha que o absurdo tem fim, não, eles dobram a aposta no mau caratismo.
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 28, 2023
Boulos também condenou a publicação, e defendeu que “a Casa Grande simplesmente não tolera até hoje o fim da escravidão”.
Confira:
ASQUEROSO! Entidade do comércio da cidade das vinícolas onde foram identificadas situações análogas à escravidão decidiu colocar a culpa na “falta de mão de obra” e no “sistema assistencialista”. A Casa Grande simplesmente não tolera até hoje o fim da escravidão!
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) February 28, 2023
Situação análoga à escravidão
O escândalo que afeta o setor vinícola gaúcho estourou na última quarta-feira (23/2), após algumas vítimas terem conseguido escapar do alojamento onde eram mantidas em condições desumanas e pedido socorro em um posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em seguida, auditores fiscais do Ministério do Trabalho e servidores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Defensoria Pública da União (DPU) resgataram 208 trabalhadores contratados na Bahia por uma empresa terceirizada pelas vinícolas para ajudar na temporada de colheita de uvas.
Os trabalhadores sofriam ameaças e eram agredidos com choques elétricos e spray de pimenta quando reclamavam das condições de trabalho e do alojamento. Eles foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda., mas prestavam serviços para as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi.
Explicações
Na nota que está causando polêmica, o CIC-BG argumentou que “é fundamental resguardar a idoneidade do setor vinícola”, pois, segundo a entidade, “é de entendimento comum que as vinícolas envolvidas no caso desconheciam as práticas da empresa prestadora do serviço sob investigação e jamais seriam coniventes com tal situação.”
A entidade soltou uma nova nota pública após a repercussão negativa e, sem citar as críticas ao assistencialismo, defendeu a história de acolhimento da Serra Gaúcha.
“Em respeito a essa trajetória, jamais silenciaríamos nem deixaríamos de adotar medidas concretas para enfrentar o fato ocorrido em nossa região, ainda que seja um episódio pontual, e que a responsabilidade direta seja de uma empresa de serviços, que atende diversos segmentos. Mais do que isso: nos movem a agir para que não se repitam episódios que causam tanta indignação e tristeza em todos nós”, diz trecho da nota.
Veja a íntegra da publicação:
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Envolvimento de PMs
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou, nessa terça-feira (28/2), que a Polícia Federal e a Corregedoria da Brigada Militar investigam suspeitas de que policiais militares teriam participado de atos de coação a trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão na Serra Gaúcha.
Nos depoimentos prestados às autoridades, obtidos pelo portal GZH, trabalhadores que conseguiram fugir do cativeiro acusam os policiais militares de ameaças de morte, espancamentos e até assassinato de pessoas que reclamaram da situação criminosa.
Segundo as vítimas, os PMs teriam um acordo com o proprietário do alojamento e eram chamados para coagir e reprimir os safristas, em caso de brigas ou reclamações.
Como denunciar o trabalho escravo
Denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê, do Ministério do Trabalho, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).