Venda de armas de fogo cai em meio à pandemia no Brasil; DF tem alta de 41%
Dados do Exército mostram que, de janeiro a 21 de setembro deste ano, compras no país foram 62,3% menores em relação a todo o ano de 2019
atualizado
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A venda de armas de fogo a cidadãos brasileiros teve uma queda de 62,3% em meio à pandemia do coronavírus. É o que mostram os dados obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI).
De acordo com o Sistema de Controle Fabril de Armas do Exército Brasileiro, de janeiro a 21 de setembro deste ano, o país registrou 19.736 compras de armas de fogo. O número é expressivamente menor do que o que foi comercializado em todo o ano de 2019: 52.397.
Questionado se a pandemia teve influência nas vendas, o Exército afirmou que não cabe à Força “opinar sobre a variação de dados”.
Alta na capital
Apesar disso e em comparação com todos os estados do país, o Distrito Federal foi a única unidade federativa a apresentar aumento nas vendas de armas de fogo, tendo, inclusive, ultrapassado as registradas em 2019 (3.613).
Apenas de janeiro a 21 de setembro de 2020, ocorreu a maior alta desde 2016 — 41,6%. Neste ano, foram adquiridas 5.115 armas de fogo por pessoas físicas.
Além disso, ao término deste ano, oito dos 27 estados do país devem ultrapassar ou se aproximar das vendas registradas no ano anterior (veja na tabela mais abaixo).
De acordo com os dados do Exército, das 19.736 armas de fogo compradas por cidadãos brasileiros de janeiro a 21 de setembro de 2020, a maior parcela está no estado de São Paulo: 5.883.
Na sequência aparecem o Distrito Federal e os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Veja tabela abaixo:
Para o especialista em Segurança Pública Ademar Vasconcelos, a alta no DF pode ter três motivos: “Precisamos considerar a questão do poder aquisitivo; a questão da soberania nacional; bem como o aumento de colecionadores de armas de fogo”.
Questionado sobre o porquê de o DF ter ido na contramão dos demais estados do Brasil, Vasconcelos afirma que não há, necessariamente, relação entre os números.
“Pelos dados, o Distrito Federal é onde mais foram vendidas armas de fogo, mas, da mesma forma, é o lugar onde mais se apreende armas de fogo”, explica.
De 1º de janeiro a 31 de agosto deste ano, a Polícia Militar do DF apreendeu 1.154 armas de fogo. O número é 23% maior se comparado ao mesmo período de 2019, quando foram apreendidas 938 armas de fogo.
Já para Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança Pública do DF, a alta pode ter ocorrido em razão de uma “otimização administrativa em meio à pandemia”.
Procurada, a Polícia Federal informou que, em razão da pandemia, o atendimento presencial nas unidades do órgão foi suspenso, tendo migrado integralmente para o atendimento on-line “desde que o requerente tenha realizado o upload de todos documentos exigidos”.
Leia a íntegra do comunicado da PF:
Com a suspensão do atendimento ao público nas unidades da Polícia Federal, os processos gerados no SINARM2 poderão continuar a serem apreciados e decididos, sem a necessidade de apresentação presencial dos documentos do requerente, desde que o requerente tenha realizado o upload dos documentos necessários, e as unidades adotem as seguintes providências:
a. Conferência de toda a documentação apresentada, incluindo a verificação por semelhança da assinatura constante do requerimento com a assinatura constante do documento de identidade apresentado;
b. Realização de pesquisas minuciosas a fim de verificar a idoneidade do requerente;
c. Confirmação junto aos psicólogos e IATs credenciados da autenticidade de todos os laudos de aptidão psicológica e capacidade técnica;
d. Confirmação da autenticidade junto aos órgãos emissores dos demais documentos apresentados, sempre que houver dúvidas;
e. Nas notificações para sanar alguma falha documental, a unidade deverá informar ao requerente a possibilidade de upload da documentação pendente no menu “Consultar Andamento de Processos”, disponível em http://www.pf.gov.br/servicos-pf/armas, ou informar um endereço eletrônico para o envio dos documentos complementares.
Registro de novas armas
Em julho, o Metrópoles já havia mostrado que, apesar da queda nas vendas, o registro de novas armas de fogo no Brasil cresceu 252%. Apenas no DF, a alta foi de 1.114%.
No período, a Polícia Federal concedeu 48,3 mil novos registros para armas de pessoas físicas em todo o país, número maior do que as 13,7 mil autorizações de 2019.
O total geral de registros expedidos, que inclui armas de agentes de segurança públicos e privados, além de renovação de registros, cresceu 9,7% entre os quatro primeiros meses de 2019 e o mesmo período deste ano, passando de 61.710, em 2019, para 67.695, em 2020.
A alta reflete a opinião do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, durante reunião ministerial de 22 de abril deste ano, disse que queria a população armada.
“Olha, eu tô, como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né? Eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje, que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não d pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais”, disse Bolsonaro na ocasião.
No dia seguinte à reunião, o governo publicou uma portaria aumentando o limite de compra de munição para quem tem arma de fogo registrada.
Com a portaria, a permissão para a compra de munição por civis que têm direito ao porte e à posse de arma passou de 200 por ano para 550 por mês.
Situação nos EUA
De acordo com o FBI, departamento de investigação dos Estados Unidos, em março deste ano, foi registrado aumento de 41% na checagem de antecedentes por pessoas interessadas em comprar armas de fogo, em comparação ao mesmo período do ano passado.
De acordo com o órgão, o número de 3,7 milhões de checagens em março é o mais alto registrado em um único mês desde que o FBI lançou o Sistema Nacional de Verificação Instantânea de Antecedentes Criminais (NICS), em 1998.
Além disso, as compras de armas de fogo também aumentaram historicamente no país após tragédias nacionais – ocorrência que alguns especialistas atribuem à necessidade de as pessoas se sentirem seguras.