Vaporwave: conheça a estética da moda no bolsonarismo
Inspirados pela direita norte-americana, apoiadores do presidente e até autoridades aderem a movimento cultural nascido na internet
atualizado
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Uma onda estética ganha força na internet brasileira, principalmente nas redes sociais: imagens de estátuas greco-romanas, ideogramas japoneses, golfinhos, ruínas distópicas… Tudo em um fundo que mistura cores pastéis com neon, como se olhássemos para uma velha TV de tubo mal sintonizada. Mas será que os pixels estão fora de lugar? Não para os internautas que adotam o vaporwave como o movimento cultural do bolsonarismo.
Em tradução direta do inglês, vaporwave significa onda de calor. Trata-se de um movimento cultural nascido na internet há aproximadamente uma década. “Surgiu como uma espécie de crítica irônica às promessas não cumpridas do capitalismo, ao consumismo irresponsável”, conta a comunicóloga Maiana Abi-Samara, que estudou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o crescimento desse movimento cultural em uma rede social que já não está muito na moda, o Tumblr. “Mas, apesar de serem facilmente identificáveis como conjunto, os signos do vaporwave não passam uma mensagem por si mesmos, então não foi difícil um outro grupo – a direita – se apropriar dele, tomar para si uma estética de grande potência visual”, completa.
Essa apropriação acontece desde meados de 2015 em redes sociais bem populares hoje: Twitter e Instagram. É só buscar a palavra vaporwave na lupinha de um desses sites para ter acesso a milhares de obras com essa estética que é, ao mesmo tempo, retrô e futurista, com cenários que parecem saídos do filme Tron (mais da versão original, lançada em 1982, do que da continuação, de 2010).
A associação entre o vaporwave e a direita começou nos Estados Unidos e está muito ligada ao apoio virtual ao presidente republicano Donald Trump. Por lá, o vaporwave é muito mais que imagem: há músicos de vaporwave (a música é uma colagem de sons de videogame, discursos políticos remixados e várias vertentes eletrônicas); festas e exposições em galerias físicas – apesar de um dos elementos do movimento ser a desvalorização da autoria das obras.
Com a fluidez garantida pelo ambiente on-line, a transição do vaporwave do trumpismo para o bolsonarismo está acontecendo organicamente. Uma busca nas redes sociais mostra que a estética é muito usada por internautas sem muita fama, mas já atinge influenciadores de direita, como o especialista em armas Bene Barbosa; parlamentares, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), e pelo menos um ministro de Estado: Abraham Weintraub, da Educação. A foto dele no Twitter está estilizada com cores metálicas e inserida em uma montagem com golfinhos pixelados e a palavra “nice“, que significa “legal” em inglês (o uso de outras línguas, incluindo latim, também é uma marca do movimento).
O presidente Jair Bolsonaro é a inspiração de grande parte das montagens vaporwave brasileiras, tanto que outra palavra cuja busca traz cada vez mais resultados é “Bolsowave”. Ele, porém, ainda não adotou pessoalmente a estética em suas redes. Da família presidencial, quem já promove o movimento é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), cotado para ser embaixador do Brasil nos EUA. A foto de Eduardo no perfil do Twitter também foi tratada com neon metálico.
“Com certeza esse uso por um grupo é uma maneira de criar uma unidade”, comenta Carla Zambelli, que conheceu o movimento por meio de apoiadores de Trump e agora ajuda a promovê-lo no Brasil.
Refúgio do extremismo
Há uma certa inocência na maioria das imagens inspiradas pelo vaporwave, pois a autoironia chega a níveis tão extremos, com frases ou palavras soltas, que o significado de cada obra depende muito da interpretação de quem vê. Em algum grau, porém, o movimento cultural também se tornou refúgio para extremistas de direita e para a propagação de discursos de ódio disfarçados de ironia.
Há inclusive uma derivação do vaporwave nos EUA chamada fashwave. O “fash” deriva da palavra “fascism“, ou “fascismo” em inglês. Ao se buscar por esse termo nas redes sociais, os resultados são parecidos com os do vaporwave na estética retrofuturista, mas trazem mensagens e imagens de ícones da extrema-direita como Benito Mussolini, ditador fascista da Itália, e do nazista Adolf Hitler. Essa onda mais fascista, porém, ainda não reverbera muito no Brasil.