Sem provas, Bolsonaro falou em fraude eleitoral ao menos 90 vezes desde maio
Presidente ameaça a realização das eleições de 2022, sob o argumento de que atual sistema de votação, por urnas eletrônicas, permite fraudes
atualizado
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Durante os 25 anos de uso das urnas eletrônicas no Brasil, nenhuma inconsistência nos equipamentos foi comprovada. Apesar disso, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alega que aprovar o modelo de voto impresso é a única alternativa para impedir que as eleições de 2022 sejam fraudadas.
Conforme levantamento feito pelo Metrópoles, o chefe do Executivo falou em “fraude” ao menos 90 vezes, entre 6 de maio e esta sexta-feira, 23 de julho. A reportagem considerou todas as declarações do presidente em discursos oficiais, entrevistas à imprensa, lives semanais e conversas com apoiadores no Palácio da Alvorada. Todas as frases podem ser acessadas aqui.
O número de vezes em que Bolsonaro abordou o assunto pode ser maior. Isso porque as interações diárias com simpatizantes, na residência oficial, são transmitidas por canal que apoia o governo e, eventualmente, as falas são editadas, sem que a íntegra seja disponibilizada.
Nesta semana, o jornal Estado de S.Paulo revelou que o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, enviou recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condicionando a realização das eleições de 2022 à implementação do voto impresso.
De acordo com a reportagem, o aviso teria sido dado mediante um interlocutor. Em nota, o ministro da Defesa negou que tenha feito a ameaça. O general disse ainda que “as Forças Armadas atuam sempre e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição”, mas defendeu o debate sobre a implantação do voto impresso.
A Câmara discute a implementação desse modelo por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), mas o texto encontra dificuldades para avançar (leia mais abaixo). Para ser aplicado já nas eleições de 2022, o voto impresso precisaria ser aprovado pelos parlamentares até outubro de 2021 – um ano antes do próximo pleito.
A primeira vez em que Bolsonaro colocou a realização das eleições do próximo ano em dúvida foi em 6 de maio deste ano. Durante transmissão ao vivo nas redes sociais, ele afirmou que, se não houver voto impresso no ano que vem, “é sinal de que não vamos ter eleições”.
Ao comentar a PEC em tramitação na Câmara, o atual mandatário do país anunciou que, se o Congresso Nacional aprovar e promulgar a proposta, o modelo de voto impresso será implementado já no pleito de 2022. A frase foi repetida ao menos 17 vezes desde então.
“Vai ter voto impresso. Porque, se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição. Acho que o recado está dado. Não sou dono da verdade, mas eu respeito o Parlamento brasileiro”, postulou.
“Alguns acham que [sem o voto impresso] pode ter fraude apenas para presidente. Se enganam. Pode ter para senador, pode ter para deputado federal e pode para deputado estadual. E, se vier um ‘fraudão’ aí, você vai reclamar para quem? Para o papa, depois?”, prosseguiu o mandatário.
No mesmo mês, em 14 de maio, Bolsonaro disse que seu principal adversário político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), só voltaria à Presidência em caso de fraude. Declarações semelhantes, relacionadas ao petista, foram repetidas ao menos 13 vezes no período considerado pela reportagem.
“Um bandido foi posto em liberdade, foi tornado elegível – no meu entender, para ser presidente, na fraude. Ele só ganha na fraude o ano que vem”, avaliou, durante cerimônia para entrega de títulos rurais em Mato Grosso do Sul.
Em 1º de julho, Jair Bolsonaro afirmou que só passará a faixa presidencial com o voto impresso. A declaração foi repetida ao menos sete vezes nas últimas semanas. “Eu entrego a faixa presidencial para qualquer um que ganhar de mim na urna de forma limpa. Na fraude, não.”
O titular do Palácio do Planalto ainda pregou eleições “limpas” e “transparentes” ao menos 23 e 35 vezes, respectivamente, nos últimos dois meses e meio.
“Nós todos queremos eleições limpas e transparentes. Se não for assim, não é eleição, isso é fraude. Agora, vamos fazer de tudo para que nós tenhamos eleições limpas e transparentes, para o bem do Brasil. Porque, se não for assim, é sinal de que já está escolhido quem vai nos comandar”, disse o presidente, em 12 de julho, durante conversa com apoiadores.
Alguns dias depois, em 7 de julho, o chefe do Executivo foi mais longe: afirmou que o seu lado “pode não aceitar o resultado” das eleições do próximo ano.
“Eles vão arranjar problemas para o ano que vem. Se esse método continuar aí, sem inclusive a contagem pública, eles vão ter problema, porque algum lado pode não aceitar o resultado. Esse lado – obviamente, é o nosso lado – pode não aceitar esse resultado. Nós queremos transparência. […] Havendo problemas, vamos recontar”, ponderou.
Em 8 de julho, data em que o ministro da Defesa teria pressionado o presidente da Câmara pela aprovação do voto impresso, Bolsonaro, mais uma vez, ameaçou a realização do pleito, quando disse que o Brasil terá “eleições limpas” ou “não terá eleição”. Veja:
A declaração mais recente sobre o voto impresso foi feita na manhã de sexta-feira (23/7), durante conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro enfatizou que “eleições que não sejam limpas não são eleições”.
“A gente não vai aceitar acontecer o que ocorreu em outros países, porque depois, para retornar, pessoal… O que a gente quer é jogar dentro das quatro linhas da Constituição e queremos eleições limpas. Eleições que não sejam limpas não são eleições. É coisa simples de entender isso aí. […] Isso não é eleição. Eleição fraudada não é eleição. Isso não é democracia”, assinalou.
Apresentação de provas
A primeira vez em que Jair Bolsonaro prometeu que iria apresentar provas de fraudes nas eleições, contudo, foi em 9 de março de 2020 – há mais de 500 dias. Na ocasião, ele afirmou que, na verdade, deveria ter sido eleito no primeiro turno de 2018, não no segundo, mas não deu qualquer embasamento para justificar a informação, repetida constantemente desde então.
No início deste mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o chefe do Executivo federal aponte provas e indícios de irregularidades no sistema eleitoral; até o momento, porém, o presidente não o fez.
Há duas semanas, Bolsonaro voltou a dizer que vai indicar as evidências que embasam sua denúncia. Em conversa com apoiadores, ele afirmou que deve, enfim, trazer as supostas irregularidades à tona na próxima semana. Segundo o presidente, um “hacker do bem” demonstrará a fragilidade das urnas eletrônicas.
O presidente afirmou que, na próxima semana, serão apresentadas provas de que houve fraude nas eleições de 2014, quando Dilma Rousseff e Aécio Neves disputaram o segundo turno. Na ocasião, as urnas constataram que a petista foi eleita com 54,5 milhões de votos, contra 51 milhões do tucano.
“Vocês vão gostar da próxima [live]. Eu vou juntar com a apresentação das inconsistências de 2014 e de 2018, por ocasião das eleições. Vai ser às 19h de quinta-feira”, disse Bolsonaro nessa sexta.
PEC do voto impresso
Em maio deste ano, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a instalação de comissão especial para discutir a PEC do voto impresso.
O colegiado é responsável por analisar o mérito do texto. Se aprovada, a matéria segue para votação no plenário da Câmara. Sob a autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a PEC teve a constitucionalidade aprovada, em dezembro de 2019, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Por se tratar de uma PEC, o texto precisa do aval de 308 deputados, em dois turnos de votação. Se aprovado, o novo dispositivo legal será analisado pelos senadores.
A proposta prevê a inclusão de um artigo na Constituição Federal para que, “na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.
Na semana passada, para evitar uma derrota, a base do governo na Câmara conseguiu adiar a votação do parecer do relator da proposta, deputado Filipe Barros (PSL-SP) na comissão.
O presidente do colegiado, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), convocou nova reunião para 5 de agosto, após o recesso parlamentar.
Em manobra regimental, Martins argumentou que Barros pediu mais tempo para fazer modificações no texto, a pedido de outros deputados da comissão.
Custos da implementação
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, tem recebido lideranças partidárias para tratar do voto impresso.
Em junho, presidentes de 11 partidos se posicionaram contra a implementação do voto impresso. Segundo Bolsonaro, Barroso tem feito “ativismo legislativo” contra o modelo.
De acordo com o presidente do TSE, a implementação do voto impresso no sistema eleitoral do país provocaria um gasto aos cofres públicos estimado em R$ 2 bilhões.
Barroso tem sustentado que o custo corresponde à adaptação do TSE para aplicar a nova modalidade, que demanda equipamentos próprios e impressoras para cerca de 500 mil urnas.
O chefe do Executivo federal, por outro lado, diz que quem deve tratar da questão orçamentária é ele, Bolsonaro, e não Barroso. “Sempre ouvi que a democracia não tem preço”, defendeu, em ao menos 10 ocasiões.
“Agora, qual o interesse dele? Ele tinha que ser o primeiro a falar: ‘Presidente, o voto impresso é mais uma segurança’ e dar um motivo qualquer para não ter. Não essa desculpa esfarrapada de que não tem dinheiro”, disse Bolsonaro em 23 de julho, durante conversa com apoiadores.
“O dinheiro quem trata sou eu, não é ele. Não vai faltar dinheiro para comprar uma maquininha para imprimir o voto do lado ali”, prosseguiu.
Na última quinta-feira (22/7), durante transmissão ao vivo, o presidente ainda desafiou a darem “um tapa” em sua cara, caso as urnas eletrônicas sejam, de fato, confiáveis.
“Por que o ministro [do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso] foi para dentro do Congresso Nacional se reunir com lideranças partidárias, dizendo que as urnas são plenamente confiáveis? Se são, dá um tapa na minha cara”, afirmou Bolsonaro.