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Sem licitação: União e Senado gastam R$12 milhões com coaching da moda

Famosa no setor privado, empresa de Oscar Motomura alega ter “notória especialização” e órgãos públicos dispensam concorrência

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A empresa brasileira Amana-Key Desenvolvimento e Educação autodeclara-se especialista em cursos de gestão, estratégia e liderança. Em seu site oficial, há depoimentos e elogios de executivos que comandam companhias importantes do país, como Magazine Luiza, Grupo Boticário e TV Globo. Com sede luxuosa em Cotia (SP), o local oferece diversos treinamentos, entre eles um de 50 horas que chega a custar mais de R$ 10 mil.

Recentemente, a fama da escola de gestão chegou ao Senado Federal. Em março, a Casa desembolsou quase R$ 350 mil para que apenas 30 servidores passassem por um coaching coletivo na cidade paulista. Já órgãos e estatais ligados ao governo federal fecham contratos com Oscar Motomura, fundador da empresa, e sua equipe, desde 2013. O gasto total foi de R$ 12.044.773,87.

Nenhuma das contratações firmadas entre a União, Senado e a companhia passou por licitação. Ou seja, os órgãos escolheram a Amana-Key e fecharam negócio, todos amparados em dois artigos da Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), o inciso II do artigo 25, combinado com o inciso VI do artigo 13, permitiu a dispensa de licitação nesses contratos.

Questionada pelo Metrópoles a respeito do “diferencial e notório saber” – argumentos usados para justificar a inexigibilidade nos processos licitatórios –, a Amana-Key alegou que oferece serviços exclusivos e, por isso, não existe concorrência no mercado brasileiro. Quanto ao curso contratado pelo Senado, por exemplo, a escola afirmou ser “único no mundo, pela originalidade/criatividade de sua metodologia”.

“Nossa razão de ser é contribuir para o bem comum, colocando nosso know-how a serviço de organizações que buscam assegurar excelência e elevado nível de consciência em tudo que fazem. Estamos há mais de 40 anos no mercado, atuando com empresas de todos os tamanhos, nacionais e internacionais, instituições públicas dos três Poderes, no nível federal, estadual e municipal”, completa a companhia.

Contratos com o governo federal
Dados do Portal da Transparência mostram que, dos mais de 90 contratos firmados entre o governo federal e a escola de Oscar Motomura, 88% foram com instituições ligadas ao Ministério de Minas e Energia, em especial a Petrobras. Dos R$ 12.044.773,87, quase R$ 9,6 milhões foram ou ainda serão desembolsados pela estatal.

A fim de justificar a contratação, a Petrobras informou em nota que os treinamentos “têm natureza singular e requerem notória especialização da instituição prestadora”. “Os serviços prestados têm conteúdo específico e são restritamente direcionados à liderança. Tais contratações têm fundamento legal nos normativos que regem os contratos em empresas públicas e sociedades de economia mista, onde se prevê a possibilidade de contratação direta no caso de notória especialização da instituição prestadora e da natureza singular do serviço prestado”, argumenta a estatal.

Na sequência dos maiores gastos, aparecem órgãos ligados ao Ministério da Fazenda. Eles fecharam contratos de mais de R$ 1 milhão com a Amana-Key. A Receita Federal de São Paulo contratou três treinamentos para 132 servidores, no valor total de R$ 981.910,00. Perguntada sobre o porquê da escolha desse curso específico, a comunicação do Fisco afirmou ser impossível comparar essa escola com outras do mercado.

“O treinamento contratado é avançado e intensivo, capaz de trabalhar de forma integrada as competências fundamentais e gerenciais em que os servidores da Receita Federal no estado de São Paulo ocupantes de cargos de gestão apresentam lacunas, em especial as competências Liderança e Ação Sistêmica”, explicou o Fisco paulista, em nota.

Ainda, ligado ao Ministério da Fazenda há o Banco Central, que desembolsou R$ 127.280 mil para treinar seu pessoal na Amana-Key. Em nota, a instituição disse que oferece ações e treinamentos educacionais aos seus colaboradores, “ora desenvolvidas internamente, ora oferecidas pelo mercado, que são selecionados considerando princípios e estratégias voltadas para desenvolvimento das competências dos servidores.”

Já a Escola de Administração Fazendária, responsável pela capacitação da Administração Tributária e Aduaneira da União, disse que contratou, em 2016, uma palestra realizada pelo diretor Oscar Motomura, para o evento de cinco anos do Programa de Modernização Integrada do ministério. Cerca de 350 pessoas participaram da ocasião, ao custo de R$ 33 mil. “O profissional foi escolhido por se tratar de pessoa com notória especialização no tema”, completou.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos contratou, em 2013, exatas 50 vagas no Programa de Gestão Avançada, com carga horária de 40 horas. Esse evento foi em Brasília e custou aos cofres da estatal R$ 400 mil. “O objetivo da capacitação foi a oportunidade de profissionais da alta gestão participarem de palestras diferenciadas, com a abordagem de temas como liderança, competitividade, educação, modelos de excelência; com palestrantes renomados em sua área de atuação”, informa os Correios.

A CGU, que tem entre suas atribuições fiscalizar as contratações nos demais órgãos federais, contratou em 2015 um curso com a Amana-Key para 140 servidores. A Controladoria pagou R$ 291 pelo serviço. De acordo com o órgão, “a capacitação foi caracterizada, segundo as justificativas incluídas no Projeto Básico, como serviço técnico, de natureza singular, já que envolve uma metodologia própria e exclusiva da companhia”. “Registrada na Biblioteca Nacional, e ainda por contemplar um conteúdo específico e relacionado com as atividades desenvolvidas pelos servidores”, completa a CGU.

Já o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), ligado ao Ministério do Turismo, bancou para 18 gestores, em 2017, um treinamento avançado na empresa. Para isso, desembolsou R$ 136.800,00. “Nosso intuito é uma gestão pública cada vez mais estratégica e eficiente”, explicou o órgão. O atual ministro da pasta, Vinicius Lummertz, foi um dos que fez o curso. Em seu currículo aparece ainda um MBA Executivo na escola de Oscar Motomura.

Ainda de acordo com dados do Portal da Transparência, apesar de os contratos com a Amana-Key e o governo federal ultrapassarem R$ 12 milhões, até agora apenas R$ 4.049.968,78 foram repassados à companhia. Os valores restantes ainda serão quitados, mas estão como determinam os documentos firmados entre as partes.

Chama ainda atenção o repasse de R$ 66.500,00 sem especificação, com a justificativa de ser sigiloso. Ou seja, não há informações sobre por que a transferência da verba à empresa foi realizada. Segundo a CGU, “trata-se de informações para as quais existe algum tipo de restrição de acesso decorrente de previsão legal. Via de regra, referem-se a informações relativas a órgãos de inteligência, polícia, etc”.

Senado e os R$ 350 mil
No último 17 de março, o Senado fechou um contrato com a Amana-Key assinado pelo fundador da companhia, o mestre em psicologia social Oscar Motomura. Na ocasião, a Casa contratou o Programa de Gestão Avançada, com duração de seis dias, para 30 servidores. Segundo o documento, o valor total do contrato é de R$ 269.920,00, para 50 horas de treinamento. Dessa maneira, o custo individual de cada aluno é R$ 9.640,00. A escola ainda deu duas cortesias (veja abaixo).

Reprodução

No entanto, como o treinamento é realizado na sede da empresa, em Cotia (SP), além do gasto com ele, o Senado desembolsou ainda R$ 41.058,40 em passagens aéreas. Além disso, cada servidor teve direito a meia diária, apesar de o pacote oferecer café da manhã, almoço e hospedagem. Os valores das diárias individuais variam de R$ 700 a R$ 1.706,45, dependendo do salário do funcionário, totalizando mais R$ 36.259,91 aos cofres públicos. Resultado: a Casa gastou com a Amana-Key R$ 347.238,31.

Segundo a comunicação do Senado, “o aprimoramento da capacitação gerencial possui amparo no Ato da Comissão Diretora nº 2, de 2017”. “O programa da referida instituição permite a transformação do estilo de liderança no sentido de capacitar os gestores a lidar com a inovação, pensar estratégica e sistemicamente, liderar em contextos de incerteza, motivar e integrar grandes grupos e ser capaz de gerar soluções customizadas. Ressalta-se que não há oferta de capacitação interna do treinamento requerido”, completa o Senado.

A contratação do APG Middle como solução de treinamento em Gestão Avançada foi feita a partir da aplicação de critérios técnicos e legais próprios da inexigibilidade de licitação, que resultaram na contratação de um objeto com diversas características próprias, entre as quais o local de realização

Senado, em nota

Para o professor de direito administrativo do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Maurício Muriack, a inexigibilidade de licitação pode ocorrer quando a empresa a ser contratada possui uma expertise que ninguém mais tem. No entanto, não é legal a preferência por uma marca específica com o dinheiro público. “A justificativa é que eles possuem um método exclusivo, mas, até onde eu sei, há diversas companhias de coaching pelo Brasil. É preciso questionar se o resultado que esse curso gera no servidor não pode ser obtido também com outras metodologias”, explica.

Bernardo Strobel, doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), concorda com Muriack e acrescenta: “Além disso, tem a questão da moralidade. Em um momento de crise, quando as pessoas não têm renda e estão sendo cortadas verbas nas áreas de saúde, pesquisa e educação, por exemplo, é equivocado gastar tanto dinheiro com esses treinamentos. Afinal, qual é a nossa prioridade?”, questiona.

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