Segurança pública: Lupa aponta erros e acertos dos presidenciáveis
Confira a checagem dos discursos sobre violência e criminalidade dos cinco candidatos ao Planalto entrevistados pela Globonews
atualizado
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De 30 de julho a 3 de agosto, a Globonews entrevistou os cinco candidatos à Presidência da República mais bem colocados na pesquisa Ibope de intenção de voto divulgada no dia 30 de junho. Em parceria com o Instituto Sou da Paz, que produz análises sobre índices de violência e criminalidade, a Lupa checou o que Alvaro Dias (Podemos), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL) falaram sobre segurança pública no programa Central das Eleições 2018. Veja o resultado:
“[No referendo realizado em 2005] O Brasil se manifestou, portanto, favoravelmente ao porte de armas”
Alvaro Dias, pré-candidato à presidência pelo Podemos, em sabatina no programa Central das Eleições 2018, da Globonews, dia 30 de julho de 2018
O referendo realizado em 2005 não questionava o porte de armas no Brasil, mas sim o comércio de armas e munições no país, de acordo com as regras propostas pelo Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003. À pergunta “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”, a maioria da população respondeu “não”. Assim, a manifestação da população foi favorável à manutenção da comercialização desses artigos – e não teve nenhuma relação com o porte, que não estava em discussão.
De acordo com o estatuto, apenas profissionais que trabalham com segurança pública têm autorização para portar armas. Aos cidadãos comuns é permitida a posse de armas, mas elas só podem ser utilizadas em casa ou no local de trabalho – caso contrária, há pena prevista em lei. O estatuto também tornou mais rígidas as regras para a compra de armas e garantiu uma recompensa em dinheiro para aqueles que entregassem sua arma à Polícia Federal.
Procurado, o candidato não respondeu.
“Segundo os especialistas, mais de 80% desses assassinatos [de jovens entre 14 e 25 anos] tiveram origem nas drogas”
Alvaro Dias, pré-candidato à presidência pelo Podemos, em sabatina no programa Central das Eleições 2018, da Globonews, dia 30 de julho de 2018
Segundo o Instituto Sou da Paz, “não há dados precisos e confiáveis que indiquem a proporção de assassinatos que tiveram relação com as drogas, até porque os índices de esclarecimentos de homicídios são baixíssimos no Brasil”.
Há estudos de motivação de assassinatos que mostram dados diferentes dos mencionados por Alvaro Dias. A PUC-MG analisou 673 inquéritos de homicídios ocorridos de 1993 a 2006 em Belo Horizonte e mostrou que apenas 18,5% deles eram decorrentes do comércio de drogas ilícitas. Outro estudo, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ), indicou que, em 2014, 21,4% dos 400 inquéritos de letalidade violenta na região metropolitana do Rio tiveram relação com o tráfico de drogas.
Procurado, o candidato não respondeu.
“Temos mais de 60 mil assassinatos por ano, cerca de 30 mil são jovens [de] até 30 e poucos anos, 28 anos”
Marina Silva, pré-candidata à Presidência da República pela Rede Sustentabilidade, em entrevista ao Central das Eleições 2018, da Globonews, no dia 31 de julho de 2018
O Brasil registrou 62.517 assassinatos em 2016. Desse total, 33.590 vítimas eram jovens de 15 a 29 anos. Os dados são do Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Temos uma população carcerária de mais de 700 mil pessoas”
Marina Silva, pré-candidata à Presidência da República pela Rede Sustentabilidade, em entrevista ao Central das Eleições 2018, da Globonews, no dia 31 de julho de 2018
O Brasil tinha 726 mil pessoas presas em junho de 2016, segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), publicado pelo Ministério da Justiça em 2017. O Sistema Geopresídios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, mostra que 690.084 estavam presas no país em junho deste ano. Já o World Prison Brief – ranking que mostra a população carcerária em 223 países – indica que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 682.901 pessoas privadas de liberdade.
“Hoje, nós temos um efetivo de 11 mil policiais federais (…), metade está carimbando papel”
Ciro Gomes, candidato à presidência da República pelo PDT, em entrevista ao Central das Eleições 2018, na Globonews, dia 1 de agosto de 2018
De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a Polícia Federal contava com mais do que 11 mil funcionários em junho de 2018: eram 13.720. Mas não há dados sobre a distribuição das funções desses policiais. Em nota, a Polícia Federal afirmou que “são secretas informações quanto ao quantitativo, distribuição, localização e mobilização de servidores da Polícia Federal no território brasileiro”.
Procurado, Ciro não respondeu.
“Metade das vagas dos presídios federais [estão] ociosas”
Ciro Gomes, candidato à presidência da República pelo PDT, em entrevista ao Central das Eleições 2018, na Globonews, dia 1 de agosto de 2018
41% das vagas em presídios federais estão vazias, de acordo com Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o órgão, há 832 vagas nos quatro presídios federais ativos (Catanduvas, no Paraná, Mossoró, no Rio Grande do Norte, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e Porto Velho, Rondônia). Dessas, 492 estão ocupadas e 340 ociosas.
Procurado, Ciro não respondeu.
“O Brasil não tinha uma penitenciária de segurança máxima, nós [São Paulo] já tínhamos três, que eu fiz, [com] regime disciplinar diferenciado, incomunicável”
Geraldo Alckmin, pré-candidato à presidência pelo PSDB, em entrevista ao Central das Eleições, da Globonews, no dia 2 de agosto de 2018
A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo identifica apenas uma penitenciária no estado com capacidade para receber presos em regime disciplinar diferenciado (RDD): é a unidade Dr. José Ismael Pedrosa, de Presidente Bernardes, com capacidade para 140 homens e 45 mulheres.
O RDD é aplicado a presos condenados por crimes dolosos que tenham cometido faltas disciplinares internas. Nesse regime, o detento fica em uma cela individual e tem direito apenas a duas horas diárias de banho de sol e duas visitas semanais.
Alckmin também exagerou ao falar sobre a incomunicabilidade dos presos. Reportagem da Folha de S.Paulo, publicada em julho deste ano, mostrou que apenas 13,5% das 170 unidades prisionais paulistas têm bloqueadores de celulares – outras cinco prisões devem receber o equipamento ainda em 2018.
Procurado, Alckmin não respondeu.
“99% das armas entrando por fronteira seca”
Geraldo Alckmin, candidato à presidência pelo PSDB, em entrevista ao Central das Eleições, da Globonews, no dia 2 de agosto de 2018
De acordo com a Polícia Federal (PF), em levantamento de janeiro de 2018, 99% das 11.620 armas rastreadas pelo órgão de 2014 a 2017 entraram no Brasil por vias terrestres. De 2014 a 2016, apenas a PF apreendeu 25.685 armas, que somadas às apreensões de outros órgãos totalizam 362.061 armas apreendidas no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (tabela 19). Ou seja: o estudo da PF corresponde a uma análise de apenas 3,2% do total de armas apreendidas no Brasil.
A amostra deu ênfase aos armamentos pego com grupos criminosos em crimes como tráfico de armas, tráfico de drogas e roubos a banco. Na abertura do levantamento, a PF afirma que criminosos comuns e individuais fazem uso de armas de “calibre mais acessível, de uso permitido”, e que é comum “a apreensão das armas de produção nacional, que ainda são amplamente ofertadas”. Leia o texto completo aqui.
Em 2016,¨o Instituto Sou da Paz publicou um estudo sobre a origem das armas usadas pelo crime organizado apenas na região Sudeste. O levantamento mostrou que 60,9% das armas apreendidas tinham origem brasileira. Trata-se de 30 mil armas brasileiras apreendidas em meio às 49.428 que São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo recolheram. Outro levantamento do Sou da Paz revelou que entre 76% e 95% das armas recuperadas pela polícia junto a grupos criminosos do Nordeste eram nacionais.
Procurado, Alckmin não respondeu.
“Se armas causassem uma explosão de mortes, os Estados Unidos seriam o país mais violento do mundo”
Jair Bolsonaro, candidato à presidência pelo PSL, em entrevista ao Central das Eleições, da Globonews, no dia 3 de agosto de 2018
A frase de Bolsonaro foi dada em resposta a uma pergunta que relacionou o alto número de armas de fogo em circulação em um país com o índice elevado de homicídios.
Os Estados Unidos são o país onde mais circulam armas de fogo legais e ilegais nas mãos de civis: eram 393,3 milhões em junho deste ano, de acordo com a organização Small Arms Survey. O número é maior do que a população americana, estimada em 325,7 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, o país tem uma taxa de homicídios superior a de outros que estão no mesmo nível econômico. Em novembro de 2017, uma reportagem do jornal The New York Times mostrou que, em 2009, a média de assassinatos cometidos com o uso de armas de fogo nos EUA foi de 33 a cada 1 milhão de habitantes, bem maior do que a de países como o Canadá – 5 a cada 1 milhão de habitantes – e o Reino Unido – 0,7 a cada 1 milhão de habitantes.
Além disso, a taxa de homicídios americana supera a dos 15 países com os maiores Índices de Desenvolvimento Humano do mundo. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime mostram que, em 2015, os EUA tiveram 4,88 homicídios intencionais a cada 100 mil habitantes. O segundo colocado no ranking foi o Canadá, com 1,68 homicídios a cada 100 mil habitantes. No comparativo com os países que formam o G7, as taxas de homicídios nos EUA também são superiores.
Vale ressaltar ainda que, segundo a organização americana Campanha Brady para Prevenção da Violência Armada, citada em levantamento do Instituto Sou da Paz sobre o controle de armas no Brasil em 2015, “a taxa média de mortes por armas de fogo dos dez estados americanos com legislações mais fracas de controle de armas foi o dobro da taxa média dos estados com legislações mais fortes em 2013”.
Procurado, Bolsonaro não respondeu.
“Eu quero fazer valer o referendo de 2005. Tem que ser respeitada a vontade daquelas pessoas que decidiram por ter o direito à posse de arma de fogo”
Jair Bolsonaro, candidato à presidência pelo PSL, em entrevista ao Central das Eleições, da Globonews, no dia 3 de agosto de 2018
Bolsonaro cometeu o mesmo erro de Alvaro Dias. O referendo de 2005 já está valendo. O que foi discutido naquele ano, através de consulta popular, foi a venda de armas e munições, de acordo com as regras propostas pelo próprio Estatuto do Desarmamento – e não o porte ou a posse de armas.
Desde 2004, mais de 800 mil armas foram legalmente vendidas no Brasil, segundo dados do Exército obtidos pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação. Também desde 2004, mais de 220 mil novos registros de arma foram concedidos a cidadãos comuns para defesa pessoal. Atualmente, já é possível comprar até seis armas, desde que dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação.
De acordo com o último levantamento do Datafolha sobre o assunto, publicado em janeiro deste ano, 56% dos brasileiros são contrários à extensão do porte legal de armas a todos os cidadãos.
Procurado, Jair Bolsonaro não respondeu.
Reportagem: Leandro Resende. Edição: Natália Leal