metropoles.com

Sarney tentou impedir brasileiros de ver um filme do Godard

Antes da promulgação da Constituição de 1988, película Je vous salue, Marie ficou proibida no Brasil durante dois anos e nove meses

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
WILSON PEDROSA/AE
Sarney-Pedrosa
1 de 1 Sarney-Pedrosa - Foto: WILSON PEDROSA/AE

Antes da proibição de exibição do Especial de Natal do Porta dos Fundos, a última censura explícita no Brasil a um programa audiovisual aconteceu no governo José Sarney (1985-1990). Em 1986, os cinemas foram impedidos de exibir o filme Je vous salue, Marie, do diretor franco-suíço Jean-Luc Godard, por quase três anos.

No caso do Porta dos Fundos, a censura durou apenas um dia, derrubada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Com Je vous salue, Marie, a proibição valeu dois anos e nove meses. Nas duas circunstãncias, as razões dos vetos foram religiosas.

Lançado na França em 1985, a película conta a história de Maria, mãe de Jesus Cristo, ambientada no final do século 20. O papa João Paulo II condenou a película e foi seguido pelos católicos.

Sarney (foto em destaque) determinou a censura de Je vous salue, Marie (em tradução livre, Eu vos saúdo, Maria) em fevereiro de 1986, depois de pressionado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O então presidente alegou afronta à fé cristã para tomar a decisão.

A imposição de censura ocorreu antes da promulgação de Constituição de 1988. Portanto, Sarney usou a legislação da ditadura para proibir o filme.

Em reação ao veto, artistas, intelectuais e estudantes fizeram intensa campanha em todo o país. Cópias piratas circularam pelas universidades e foram mostradas em sessões privadas.

No Rio de Janeiro, o jornalista Fernando Gabeira puxou um protesto em desobediência civil à censura. A Polícia Federal impediu a exibição e deteve os organizadores.

A mais bem-humorada manifestação contra a proibição do filme partiu do bloco carnavalesco Pacotão, de Brasília. Em alusão ao nome da então primeira-dama, Marly Sarney, fez muito sucesso entre os a marchinha Je vous salue, Marly.

Somente depois da promulgação da Constituição de 1988 a censura caiu. Em novembro daquele ano, o filme foi exibido no Rio de Janeiro com público inexpressivo e nenhuma confusão.

Representante do movimento Novelle Vague, Godard tornou-se conhecido na década de 1960 pelo estilo transgressor na produção cinematográfica. Na época da censura de Je vous salue, Marie, o diretor era um dos preferidos por cinéfilos e intelectuais.

Por essa característica, o franco-suíço teve uma citação na música Eduardo e Mônica, da banda Legião Urbana:

O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard

A referência, no caso, serviu para ressaltar a diferença intelectual entre o “carinha do cursinho” e a menina que “fazia medicina e falava alemão”.

Mais de três décadas depois da proibição de Je vous salue, Marie, fica a constatação de que, na prática, é praticamente impossível censurar uma obra de audiovisual. Se, mesmo em tempos analógicos, as pessoas viam o filme em cópias piratas, na era da internet fica muito mais fácil furar o bloqueio do Estado a uma peça artística.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?