Rui Costa vai ao STF contra portaria que autoriza Força Nacional na Bahia
O governador disse que nem mesmo foi comunicado pelo governo federal, e que envio de tropas é claro desrespeito à autonomia dos estados
atualizado
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O governador da Bahia, Rui Costa (PT), decidiu entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a portaria editada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, que autorizou o emprego da Força Nacional em assentamentos rurais no extremo sul do estado.
Segundo o governador, ele não chegou a ser comunicado sobre o envio das tropas para seu estado e, em carta enviada ao ministro na noite desta quinta-feira (3/9), questionou a legalidade da autorização.
“Enviei agora à noite uma carta para o ministro da Justiça questionando a legalidade de enviar a Força Nacional para a Bahia sem a solicitação do estado. Sequer houve comunicação, formal ou informal, do ministro ou do gabinete do presidente da República sobre a Força Nacional. Além de eu não ter solicitado, nem mesmo me informaram. Eu não sou jurista, mas a nossa Procuradoria-Geral alega que é absolutamente ilegal esse ato”, destacou o governador, em entrevista ao Metrópoles.
“A Força Nacional é para atuar dentro do pacto federativo. O seu uso se dará através da solicitação do estado, e o estado da Bahia não solicitou. Portaria não tem poder de modificar lei. Nem portaria nem decreto”, disse Costa.
O governador informou ainda que enviará nesta sexta-feira (4/9) à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma reclamação formal contra Mendonça e a ADI, com base na quebra do pacto federativo.
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) pediram para que Costa tomasse providências no sentido de impedir que o governo federal envie a Força Nacional para o extremo sul do estado, onde assentados foram atacados na semana passada. O pedido foi feito após uma portaria assinada por Mendonça e publicada na quarta-feira (2/9) no Diário Oficial da União.
A medida autorizou o emprego da força em apoio ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, nos assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos municípios de Prado e de Mucuri. De acordo com o documento, o objetivo é atuar “nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado”.
Membros do movimento esperam a Justiça faça valer o pacto federativo previsto na Constituição Federal, já que a GLO (ação de garantia da Lei e da Ordem) autorizada pelo ministro não foi pedida pelo governador, e sim, pela ministra da Agricultura, Teresa Cristina.
O governo federal, no entanto, evoca o decreto que instituiu o uso da tropa, segundo o qual “a Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Ministro de Estado. (Redação do artigo 4º do Decreto nº 7.957, de 2013).
De acordo com o Ministério da Justiça, a decisão foi tomada após o ataque ocorrido no assentamento Jacy Rocha, em Prado, na madrugada da última sexta-feira (28/8), que resultou em oito pessoas feridas, casas destruídas e mais dois lotes, um trator e uma moto incendiados. O caso está sob investigação da Polícia Federal.
Notas técnicas
O episódio remete à mesma discussão ocorrida na ocasião em que Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública, autorizou o uso da força para reprimir manifestações na Esplanada dos Ministérios, à revelia do governador Ibaneis Rocha (MDB). Na época, uma nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), órgão do Ministério Público Federal (MPF), esclareceu que, para determinar o emprego da Força Nacional em segurança preventiva, a União depende sempre de solicitação do governador, e que o ministro havia extrapolado sua competência ao editar a portaria.
Em outra nota, o órgão enfatizou em nota pública que “a legislação trata a FNSP (Força Nacional de Segurança Pública) como um instrumento de atuação da União na cooperação federativa em segurança pública. Portanto, o pressuposto necessário de sua mobilização é o acordo com o ente federativo que tenha a competência originária para a atividade de segurança pública a ser reforçada”, destaca.
Motivos
O Incra, por sua vez, nega que a intenção do uso da Força Nacional seja para desocupar áreas hoje tomadas por acampamentos do MST ou mesmo para ações contra as famílias que já estão assentadas. De acordo com a instituição, a intenção é conseguir entrar nos assentamentos para realizar a medição e a entrega de títulos de propriedade para os moradores.
“Nós temos 15 assentamentos nessa região (extremo sul da Bahia) onde vivem mais de 1.500 famílias. A maior parte desses assentamentos são antigos, alguns com mais de 30 anos, mas com pouco mais de 200 títulos definitivos emitidos. Há uma oposição muito forte por parte de alguns movimentos no sentido de impedir que esse trabalho [titulação] avance. Na última semana esse conflito evoluiu para um nível de violência com queima de casas e impedimento físico do avanço do trabalho do Incra”, disse ao Metrópoles o presidente do instituto, Geraldo José da Camara Ferreira de Melo Filho.
“O governo resolveu que está na hora de intensificar e tentar avançar mais rapidamente nesse processo de regularização até para impedir que esse processo de violência perdure e o Incra possa fazer o trabalho de maneira tranquila, entrando nesses assentamentos com o trabalho técnico, operacional para que de uma maneira mais rápida a gente dê o resultado esperado pelos assentados que é a efetiva titulação e dar a eles o que é de direito, que é o título definitivo de suas terras”, enfatizou.
O Ministério da Justiça alega que a “meta do Governo Federal é garantir aos assentados a titulação da terra onde vivem e produzem sem prejuízo no acesso às ações e benefícios específicos da reforma agrária. Com a posse definitiva do lote, os beneficiários terão direito a acessar todas as políticas públicas destinadas aos pequenos produtores rurais”, reforçou a pasta.
MST
A versão do MST, no entanto, é de que a força será usada contra as famílias assentadas ou acampadas na região. Em nota, o movimento aponta ações do governo de Jair Bolsonaro “para desagregar a luta pela reforma agrária” na região. “Em um momento como o que enfrentamos, é ultrajante que o governo faça uso da força para invadir nossos espaços produtivos, quando, na verdade, deveria se preocupar com a saúde do povo. Essa investida nada mais é, do que um desejo sombrio e infundado de acabar com a luta pela terra no país”, destaca a nota.
“O extremo sul da Bahia está localizado em um território com ricas e férteis terras alvos de especulação financeira, do capital internacional e das oligarquias locais. É uma região em que o MST concentra a sua maior força organizada. E, no último período, o processo de conquistas do movimento foi intensificado nesse local, sobretudo, após um grande enfrentamento feito com as empresas de eucalipto nos anos 2000. Isso resultou na conquista de mais de 35 mil hectares de terra para a Reforma Agrária, desse total nem a metade foi de fato cedida ao MST”, destaca o movimento.