Rodrigo Maia, o moderador que virou pedra no sapato de Bolsonaro, deixa comando da Câmara
Após quatro anos e meio à frente da presidência da Câmara dos Deputados, o parlamentar se prepara para voltar para a planície
atualizado
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Após quatro anos e meio como presidente da Câmara dos Deputados, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) se prepara para deixar um dos postos mais altos da República, e a terceira posição na linha sucessória da Presidência da República. Com isso, terá que voltar para a planície, o que exigirá esforço para quem se acostumou a ditar a agenda legislativa do país nos últimos anos.
Neste período, o deputado acumulou experiência, boas relações e algumas denominações elogiosas ou irônicas: foi “líder informal” do governo Michel Temer e “primeiro-ministro” no governo Jair Bolsonaro. Apesar de reservado, Maia é aberto ao diálogo – não por acaso foi reeleito duas vezes ao comando da Câmara, com apoio de boa parte dos partidos de oposição tanto a Temer quanto a Bolsonaro.
O parlamentar não é daquelas pessoas de sorrir com facilidade, mas não se pode dizer o mesmo quanto às lágrimas. Ele, todavia, “ouve” e “cumpre promessas”, dizem os deputados, e isso é relevante nos corredores da Casa, sobretudo, para quem vive articulando consensos possíveis entre a centro-direita e a centro-esquerda no Parlamento, missão quase inglória que sonha em reproduzir no cenário nacional em 2022.
Sonho
Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia nasceu em Santiago, no Chile, em 1970, durante o exílio do seu pai, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia, e se mudou aos 3 anos para o Brasil, mais especificamente para o Rio. De família influente, Maia deixou a carreira de sete anos no setor financeiro – onde trabalhou nos bancos BMG e Icatu – e entrou na política, aos 26 anos, por meio do pai, que o indicou ao cargo de secretário de Governo do prefeito Luiz Paulo Conde (PFL), entre 1997-2001.
Pouco tempo depois do primeiro cargo público, Maia foi eleito pela primeira vez deputado federal pelo PFL (atual DEM). Assumiu em 1999. Desde então, foram seis mandatos. Pelo caminho, assumiu cargos como vice-líder do PFL (2003-2005), líder (2005-2007) e presidente nacional do Democratas (2007-2011), no momento em que o partido mudou de nome e apostou numa “reoxigenação”.
“Ele assumiu a presidência, e em seguida criou musculatura dentro e fora do partido. Uma característica que ele sempre teve é a do diálogo, de conversar com todas as correntes [ideológicas] e tinha um sonho, que era justamente ser o presidente da Câmara dos Deputados”, comenta o secretário-geral do DEM, Pauderney Avelino (AM), que era vice-líder do PFL quando Maia foi eleito para o primeiro mandato.
É justamente essa abertura ao diálogo, independentemente das rinhas ideológicas, que lhe rendeu boa relação com integrantes das mais variadas correntes políticas. Uma de suas principais pontes com a oposição é o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Ele ouve. É aberto a conversar, a descobrir e a se aprofundar sobre os temas, com conhecimento técnico sobre diversos assuntos”, diz Silva, que é amigo de Maia há anos.
Após o período no comando da legenda, Maia ficou numa espécie de limbo e, diante das votações em queda que o reelegeram deputado federal, avaliava não disputar novo mandato. Eis que o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), deu um novo fôlego à carreira de Maia, ao designá-lo presidente da Comissão Especial da Reforma Política, em 2015. O elogio ao emedebista durante a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) no ano seguinte não foi à toa.
Meses depois, Cunha caiu e acabou preso – permanece na prisão até hoje. Com agenda liberal na economia, alinhamento ao ex-presidente Michel Temer (MDB) e “ajudinha” do sogro, o então ministro Moreira Franco (MDB-RJ), Maia realizava seu sonho: se tornar presidente da Câmara. Primeiro, em um mandato-tampão, em 2016.
À época, o parlamentar era visto como “líder informal” do governo Temer, que ascendeu com o processo de destituição da petista. A relação o ajudou na reeleição ao comando da Câmara, em 2017, quando derrotou, entre outros candidatos, o então deputado Jair Bolsonaro (à época, PSC-RJ). Dois anos depois, ele foi reeleito novamente, com a ajuda envergonhada do PSL, para onde Jair Bolsonaro se transferira e pelo qual concorreu ao Planalto – e ganhou. Isso, todavia, não representou boa relação entre os dois políticos.
Governo Bolsonaro
O alinhamento com as ideias liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes, era o elo de Maia com o governo Bolsonaro. O parlamentar, então, tentou uma aproximação e, em determinado momento, ajudou na interlocução do governo com a Câmara, mas isso não durou muito. Promessas não cumpridas do governo o fizeram recuar.
Ademais, a relação com o chefe da equipe econômica do governo se deteriorou com o tempo – supostamente por “ciúmes” e “falta de traquejo político” do ministro. Nos corredores do Congresso, alguns dizem que pelos dois motivos. A reforma da Previdência – da qual Maia foi o grande articulador e, consequentemente, ganhou grande parcela dos louros – foi o marco dessa ruptura, que só piorou com a chegada da pandemia da Covid-19.
Em determinado momento, diante do vácuo deixado pelo governo, o parlamentar ganhou a alcunha de “primeiro-ministro”, cargo que inexiste no sistema presidencialista, e concentrou ainda mais poder sobre a pauta legislativa. Mesmo estimulando o andamento das propostas econômicas, Maia passou a barrar grande parte da agenda de costumes de Bolsonaro e seu entorno mais próximo.
O negacionismo do presidente da República em relação ao novo coronavírus e os ataques às instituições brasileiras fizeram Maia dobrar a aposta. O freio nos impulsos autoritários de Bolsonaro lhe rendeu ainda mais protagonismo, que se estendeu à Câmara dos Deputados.
“O presidente Rodrigo Maia foi fundamental para a manutenção da estabilidade democrática do país nos momentos mais difíceis do início do governo Bolsonaro e não titubeou quando precisou defender o Parlamento e a democracia”, destaca o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Apesar da relação atribulada com o atual residente do Palácio do Planalto, Maia viu chegar e deixou na gaveta 63 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, por “superstição” ou “senso de responsabilidade”.
Os dois ex-presidentes da Câmara que ousaram neste quesito – Ibsen Pinheiro, no caso de Fernando Collor, em 1992, e Cunha, com Dilma, em 1996 – tiveram desfechos semelhantes aos das vítimas: foram cassados.
Crendice à parte, Maia avalia que não há clamor da sociedade suficiente para destituir o presidente da República, tampouco diz querer ser o fiador de mais desorganização política no momento em que o país conta mais de 200 mil mortes por causa da Covid-19.
Ele, aliás, acredita que a inércia quanto à vacinação pode ser a maior pedra no sapato de Bolsonaro, mas aí caberá ao novo presidente da Câmara. Afinal, a tinta da sua caneta está acabando.
E agora…
Em um café da manhã com jornalistas, em meados de dezembro passado, Maia disse que não pretende disputar a reeleição a deputado federal, tampouco deseja uma vaga no Senado ou no Executivo estadual. Diz que precisa de um desafio além de mandato eletivo, e já sabe qual é.
Confessou o desejo – que julga irreal neste momento – de disputar a Presidência da República, mas vislumbra que seu caminho passa por ser o articulador de uma frente ampla para 2022, que una centro-esquerda e centro-direita, mimetizando uma característica que o marcou no comando da Câmara dos Deputados e que tenta repetir no bloco que formou para a sua sucessão, juntando MDB, DEM, PSDB, PT, PCdoB e PSB, entre outros.
“Ele será sempre voz ouvida pela sociedade para questões políticas e econômicas pelo que acumulou na presidência [da Câmara dos Deputados]. Terá um peso importante no país. Mas, na Câmara, volta a ser um deputado na planície”, avalia o amigo Orlando Silva.
Por ora, Maia não gosta de comentar sobre o futuro próximo. Ao ser questionado sobre isso, diz, numa resposta padrão, que vai continuar sendo deputado e votando as pautas econômicas relevantes para o país. Isso é inevitável, mas pouco para quem nos últimos anos ditou a agenda legislativa e moderou impulsos autoritários de Bolsonaro.