Ricupero: “Não há nenhum governante mais odiado no mundo do que Bolsonaro”
Ex-embaixador diz que nomeação de Weintraub é pá de cal em política externa e que a reputação do Brasil está “enlameada” como nunca antes
atualizado
Compartilhar notícia
Aos 83 anos, o jurista, historiador, diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero é um observador privilegiado da imagem do Brasil no mundo. Em entrevista ao Metrópoles, ele diz nunca ter visto uma imagem externa do país tão desgastada e apontou que a indicação do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para uma diretoria do Banco Mundial é apenas a “pá de cal do governo do presidente Jair Bolsonaro” na reputação do Brasil, que virou “vergonha mundial”.
“A imagem do Brasil no exterior quase que não existe mais, de tão enlameada que está”, enfatizou. “Esse último ato, de indicar o ex-ministro Weintraub para o Banco Mundial, é uma espécie de pá de cal. Até agora, a única coisa que tinha sobrado da imagem do Brasil era o que não dependia do Itamaraty. A única coisa que sobrava era nossa área técnica e econômica, que envolve o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional. Os diretores do Brasil eram gente competente. Eram técnicos”, disse Ricupero, citando o ex-ministro da Fazenda nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan.
“Eu nunca vi uma coisa dessa em minha vida”, disse o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, um momento da carreira marcado por encontros semanais no Banco Mundial em Washington fazendo intermediações para muitos governadores brasileiros que buscavam auxílio junto à instituição internacional. “Nem na época do governo militar ocorreu uma indicação tão desqualificada ou que se parecesse remotamente com essa. Nesta época, os nossos representantes eram todos economistas de primeiríssima ordem. O que está acontecendo hoje é uma degradação sem nome”, observou.
Além da carreira exuberante na diplomacia, Ricupero foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, no governo de Itamar Franco.
Competência necessária
Hoje, ele não consegue imaginar Weintraub fazendo essa intermediação com autoridades brasileiras. “Toda semana, eu tinha governadores do Nordeste, do Centro-Oeste, de todas as regiões em negociações por recursos. Todo mundo sabe que ele é um militante. Que imparcialidade você pode esperar de um militante de extrema-direita se amanhã estiver lá um pleito do governador do Maranhão (Flávio Dino), por exemplo? O que esperar dele em relação a um pleito do governador do Ceará (Camilo Santana) ou de um do de São Paulo (João Doria)?”, questionou. “É difícil de acreditar que ele possa se empenhar por esse pessoal.”
Além disso, na opinião de Ricupero, a acusação de racismo sobre o ex-ministro deve configurar um impeditivo para sua inserção no banco. “O Banco Mundial tem certas regras éticas e não pode ter diretores ou funcionários que sejam, por exemplo, acusados de racismo. Eles têm essa regra. Lá, eles sofrem muita influência das organizações de direitos humanos e de meio ambiente. Isso é muito forte”. destacou.
“Ele é um agitador militante de extrema-direita e isso não tem nada a ver com o que o Banco Mundial faz. Trata-e de um posto que tem que representar o país, não o governo Bolsonaro”, enfatizou.
Manifesto
Ricupero assinou uma carta aberta articulada por várias entidades, intelectuais, empresários e artistas na qual desaconselham a indicação do presidente Jair Bolsoanro para a vaga, logo após o anúncio da saída do ministro e de suas pretensões, em um vídeo de despedida, divulgado na quinta-feira (18/06).
Essas entidades trataram de levar informações sobre Weintraub para embaixadores de países como Colômbia, Filipinas, Equador, República Dominicana, Haiti, Panamá, Suriname e Trinidad e Tobago, nações que precisam aprovar sua possível entrada no board, ou seja, no grupo de diretores executivos, que conta com mais de 180 países..
“Enviamos esta carta para desaconselhar fortemente a indicação do Sr. Weintraub para este importante cargo e informá-lo sobre os possíveis danos irreparáveis que ele causaria à posição do seu país no Banco Mundial. Estamos convencidos de que o Sr. Abraham Weintraub não possui as qualificações éticas, profissionais e morais mínimas para ocupar o assento da 15ª Diretoria Executiva do Banco Mundial.”, diz a correspondência, que aponta ainda comportamentos do ex-ministro diante de críticas, como, o “sarcasmo” e a “agressividade”.
“Desde que assumiu o cargo, Weintraub sempre respondeu com desprezo, sarcasmo e agressividade a críticas ou mesmo recomendações de cidadãos comuns, jornalistas, legisladores e até juízes da Suprema Corte. Em um tuíte de 16 de novembro de 2019, ele chamou a mãe de uma seguidora de ‘égua com coceira e desdentada’. Em um vídeo de uma reunião de gabinete divulgada pelo Supremo Tribunal Federal, em 22 de maio de 2020, no contexto de acusações de interferência indevida pelo presidente na Polícia Federal, Weintraub chamou os juízes do Supremo Tribunal de ‘vagabundos’, que ele trancaria na prisão se pudesse”, diz a carta.
O documento é assinado por 15 organizações e cerca de 270 pessoas – nomes como os do cantor, compositor e escritor Chico Buarque, do diretor de cinema Fernando Meirelles, do ator Paulo Betti, da historiadora Lília Moritz Schwarcz, da economista Laura Carvalho, do economista Ricardo Henriques e do empresário e urbanista Philip Yang. Entre as organizações, assinaram a ONG Conectas Direitos Humanos, a US Network for Democracy in Brazil, a 342 Artes, a 342 Amazônia e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Impeachment
Como ex-ministro do Meio Ambiente, ele também assinou outra carta, ao lado de outros ex-titulares da pasta ambiental, afirmando que o Brasil vive “inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia” e que “a sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti‐la”.
O texto reúne um time inédito de ex-ministros: além dele, Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, Marina Silva, e Sarney Filho (de governos que vão de Fernando Collor a Michel Temer) assinam o documento, que pede aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que” velem pelo cumprimento efetivo dos princípios constitucionais de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado”, destaca.
Ao falar sobre a possibilidade de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, Ricupero é enfático. “O que o posso dizer é que não há esperança para Brasil enquanto este governo estiver no poder”, enfatizou. Talvez seja muito difícil o país se recobrar depois de mais dois anos e meio disso. Vai ser mais destruição, mais sofrimento. Espero ainda que algumas coisas não sejam irreversíveis, mas podem ser”, observou.
Imagem de Bolsonaro
Em sua avaliação, o presidente brasileiro é hoje o mais criticado em todo mundo. “Não há país que tem imagem pior que o Brasil. Como governante, até dois anos atrás, o pior era o presidente das Filipinas (Rodrigo Duterte). Mas o Bolsonaro já o superou de longe. Se alguém quiser dizer que eu estou errado é só me mostrar quem é mais desprezado, mas odiado, mais criticado do que ele. Não há”, disse.
“O Brasil tem um presidente que faz apologia do governo militar, que tem 3 mil militares em cargos civis, que faz apologia da tortura, que é misógino, que teve aquele incidente com a deputada Maria do Rosário no qual ele chegou a ser condenado [no qual disse que a parlamentar não merecia ser estuprada, por ser feia], que é contra indígenas, que é contra direitos humanos, que é contra meio ambiente. Então, é um deboche”, destacou.