Redução de gastos ou negligência? Damares quer discutir abusos contra crianças por vídeo
Vice-presidente do Conanda, conselho que pode ser afetado, avalia que pautas delicadas serão prejudicadas sem reuniões presenciais
atualizado
Compartilhar notícia
Na esteira de um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, tem a intenção de substituir reuniões dos conselhos ligados à sua pasta por encontros virtuais, sob o discurso de enxugamento de gastos. Isso porque, segundo o ministério, eventos presenciais custaram cerca de R$ 3,5 milhões em 2018. O orçamento do MMFDH, em 2019, depois do contingenciamento, é de R$ 298 milhões.
Damares chegou a falar sobre o tema quando foi a uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em abril deste ano. A ideia, no entanto, não é bem aceita entre os conselheiros e foi criticada por parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na ocasião. Uma das entidades afetadas é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
O Conanda foi previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e instituído por lei. O colegiado é composto por membros da sociedade civil que, em gestão compartilhada com o governo, definem políticas públicas da infância e da adolescência. Também é função do conselho fiscalizar ações executadas pelo poder público nessa área.
Os conselheiros não recebem remuneração do governo para essa atuação, e a maioria não reside em Brasília, onde são feitas as reuniões. Algumas decisões só podem ser tomadas quando houver quórum. O Conanda é composto por 28 conselheiros titulares e 28 suplentes.
Uma das propostas contidas na norma para a criação, recriação ou modificação das entidades é “estabelecer que as reuniões cujos membros estejam entre entes federativos diversos serão realizadas por videoconferência”.
Temas complexos
Apesar de o ministério dizer que não há previsão para o início das videoconferências, as reuniões presenciais já começam a ser cortadas. O vice-presidente do Conanda, Antonio Lacerda Souto, afirmou que o encontro de junho não vai acontecer porque as passagens não foram compradas a tempo.
O governo está acabando com o conselho por asfixia
Antonio Lacerda Souto, vice-presidente do Conanda
Para Lacerda, a ministra Damares Alves não está dando o devido valor ao conselho. “Temos muitos problemas, como abusos sexuais, sistema socioeducativo, trabalho infantil, a problemática da adoção. São muitos temas complexos. A pauta da criança e do adolescente é todo dia”, exemplificou.
Se o cenário permanecer como está, segundo avalia, ficam prejudicados os andamentos dos projetos geridos pelo Fundo da Criança e do Adolescente, o acompanhamento das eleições para conselheiros tutelares e a organização da 11ª Conferência Nacional da Criança e do Adolescente.
“Quem vai perder com tudo isso é a infância e a adolescência no Brasil, que a Constituição diz que têm prioridade absoluta”, afirmou.
O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Leonardo Pinho, também se coloca contra as substituições de reuniões presenciais por videoconferências. O principal argumento é que o governo não fez estudos para verificar a viabilidade da aplicação de reuniões a distância.
“É mais uma medida do governo que mostra um tipo de gestão pública irresponsável. Toda uma discussão acerca dos impactos da política pública fica prejudicada. O controle social não é um capricho, é constitucional”, afirmou.
Outro lado
Em nota encaminhada ao Metrópoles, o ministério justifica que o objetivo é reduzir os custos com passagens e diárias e redirecionar os recursos para ações. “O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) propõem [sic] a realização de reuniões por videoconferência, para que não hajam [sic] custos ao ministério com passagens e diárias, de forma a atingir os objetivos sem trazer ônus aos cofres públicos”, diz nota enviada à reportagem.
O decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, publicado por Bolsonaro, extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Na teoria, a norma vale apenas para colegiados instituídos por decreto ou atos normativos inferiores ao decreto.