Recuo de Bolsonaro mostra fraqueza, mas ataques voltarão, avaliam especialistas
Dois dias após discurso golpista, presidente divulgou uma nota, nessa quinta-feira, e disse que nunca teve “intenção de agredir”
atualizado
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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recuou, mas não por muito tempo. Na verdade, é tudo um “jogo de cena”. Essa é a avaliação que cientistas políticos fazem sobre a “Declaração à Nação” divulgada no fim da tarde dessa quinta-feira (9/9) pelo chefe do Executivo federal, dois dias após atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) em discurso a apoiadores e afirmar que não mais cumpriria decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes.
“O recuo não é um ‘freio de arrumação’ do processo político. Foi, antes, uma ‘marcha-à-ré'”, sintetiza o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, em conversa com o Metrópoles.
O que Melo quer dizer com “marcha-à-ré” é que Bolsonaro recuou, mas o processo não parou. “O motor continua a funcionar e a queimar energia. O desgaste do país foi muito grande. As reações a Bolsonaro, nos últimos dias, foram fortíssimas. Ninguém vai recuar no que disse a seu respeito. Sobretudo, quem disse ‘chega'”, complementa o cientista político.
Na tarde de ontem, Bolsonaro divulgou uma nota na qual atribuiu “ao calor do momento” a ferocidade dos discursos de 7 de setembro e afirmou que nunca teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. O texto foi escrito com apoio do ex-presidente Michel Temer (MDB), que intermediou uma conversa do atual mandatário com o ministro Alexandre de Moraes, como revelou o colunista do Metrópoles Igor Gadelha.
Na nota, o presidente defendeu harmonia entre os Três Poderes e atribuiu divergências a “conflitos de entendimento” acerca de decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes – que passou de “canalha” para “jurista e professor”. Moraes é relator do Inquérito das Fake News, que tem atingido bolsonaristas e o próprio presidente.
“As pessoas que exercem o poder não têm o direito de ‘esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”, registra a nota assinada por Bolsonaro.
O cientista político Eduardo Grin, do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da FGV, avalia que esse “recuo” do presidente se trata, basicamente, de uma encenação.
“Bolsonaro recua hoje para voltar a atacar amanhã. Ele está só querendo arrumar um tempo para arrumar a tropa e voltar à carga. Ninguém fala aquilo no calor do momento. Aquilo foi pensado, foi construído, e ele fez mais uma vez o que tem feito ao longo dos anos: a cada momento, vai testando um grau acima o limite das instituições políticas”, analisa o especialista, ao Metrópoles.
Grin avalia que Bolsonaro, como qualquer líder populista, precisa de um inimigo para sobreviver. “Ele precisa criar inimigos. Todo populista precisa dizer que a culpa é do outro, não dele”, diz.
A mesma comparação foi feita pelo presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, na manhã de ontem, durante a abertura da sessão plenária de julgamento. O magistrado também disse que os discursos de Bolsonaro durante os atos antidemocráticos do 7 de Setembro são uma “retórica de palanque” e que “todos sabem quem é o farsante nessa história”.
“Esse recuo é fruto também de que Bolsonaro mostrou não ter a força política que ele julga que tem. As passeatas foram importantes, mas foram falsas – uma massa que pode até defender o Bolsonaro nas redes, mas é uma bolha”, completa Grin.
Sócio da Arko Advice, o cientista político Lucas de Aragão sustenta que os protestos do 7 de Setembro não se traduziram, nem se traduziriam, pela forma que ocorreram, em apoio institucional.
“Na política, sempre há possibilidade de recuo. Hoje, [o presidente da Venezuela, Nicolás] Maduro e oposição já iniciam diálogo na Venezuela. Aqui, o presidente da República viu que o povo nas ruas e frases de efeito geram consequências institucionais e legislativas negativas, com impacto em sua agenda”, afirma.
Após o recuo do presidente, bolsonaristas registraram um clima de descontentamento nas redes sociais.
“Game over”, escreveu o blogueiro Allan dos Santos, do canal Terça Livre, em uma rede social. Ele é um dos principais alvos do inquérito das Fake News, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, e aliado de primeira hora de Bolsonaro.
“Se era xadrez 4D, parece que Bolsonaro tomou um xeque-mate de uma rainha tridimensional. Depois da demonstração de força do povo, o presidente demonstra fraqueza. Situação bem complicada para os patriotas. Bolsonaro pode ter assinado sua derrota hoje”, analisou o comentarista Rodrigo Constantino.
“O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema”, prosseguiu ele.
Na tribuna da Câmara dos Deputados, após a divulgação da nota, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) comparou o “clima de desânimo” dos apoiadores com o ocorrido na saída do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Na ocasião, a base do governo, inclusive militares, se dividiu entre o ex-juiz federal, tornado famoso durante a Operação Lava Jato, em Curitiba, e o presidente da República.
“Eu já vi esse clima de desânimo e decepção quando o Moro saiu, mas depois todo mundo quebrou a cara”, afirmou Zambelli, ao citar o youtuber bolsonarista Bernado Küster.
“A nossa luta por liberdade de expressão, de fala e de opinião não acabou. Essa nota não encerra nada, ela começa. Ela começa um pedido para que o Supremo comece a entender que existe uma Constituição Federal que precisa ser respeitada, que pede para que o Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Alexandre de Moraes, pare de esticar essa corda e perceba que quem nunca quis ruptura foi o presidente Jair Bolsonaro. Ele tentou todos os mecanismos constitucionais para poder representar a vontade popular”, afirmou a deputada.
O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema.
— Rodrigo Constantino (@Rconstantino) September 9, 2021